Belfast, uma cidade em revolta por causa do (não) hastear de uma bandeira
Os unionistas pró-britânicos querem ver a sua bandeira sempre hasteada no edifício da câmara. Polícia acusa paramilitares de organizarem motins que se arrastam há um mês.
Domingo, pela quarta noite consecutiva, grupos de unionistas, na maioria adolescentes, atiraram pedras e garrafas contra a polícia e incendiaram carros na zona leste de Belfast. Dez agentes ficaram feridos e foram feitas novas detenções, elevando para 96 as efectuadas desde o início dos motins, a 3 de Dezembro. Nesse dia, os vereadores da cidade decidiram que a bandeira britânica deixaria de ser hasteada todos os dias no edifício da câmara, uma votação com consequências imediatas numa província onde os símbolos servem também de armas de arremesso.
A proposta inicial, apresentada pelos republicanos do Sinn Féin, pretendia retirar em definitivo a Union Jack – símbolo para os nacionalistas da ocupação britânica; sinal para os lealistas da pertença à coroa – do City Hall. Mas a Aliança, o único partido não-confessional da província, negociou um consenso, prevendo que a bandeira seja hasteada 17 dias por ano, em ocasiões especiais. Foi contra os eleitos do partido que a fúria dos unionistas primeiro se virou. Mas o que começou por ser uma reacção irada a um gesto considerado provocador transformou-se numa onda de contestação que, segundo observadores, espelha a frustração de muitos unionistas com o processo de paz.
O comandante da Polícia da Irlanda do Norte, Matt Baggott, disse ter confirmação de que “dirigentes da UVF [o maior grupo paramilitar unionista] da zona leste de Belfast têm vindo, a título individual, a orquestrar cada vez mais a violência”, recrutando jovens, muitos ainda menores, para acções que visam a polícia, mas que se abeiram também de zonas católicas republicanas. Na noite de sábado, a mais violenta desde o reinício dos motins, foram disparados tiros contra a polícia e um homem foi detido por posse de arma com intenção de provocar distúrbios.
Mas os líderes paramilitares distanciaram-se da violência e um correspondente do Guardian escreveu que os grupos que saem à rua não têm uma liderança organizada, juntando jovens das classes baixas desiludidos com os partidos tradicionais e veteranos do conflito na província que são hostis aos acordos de 1998.
Peter Shirlow, professor da Queen’s University de Belfast, disse à Reuters que, apesar do aparato, é improvável que os protestos se transformem numa ameaça ao processo de paz, já que não conseguiram mobilizar a opinião pública unionista. “Os protestantes [partidários da união com Londres] estão irritados com a questão da bandeira, mas estão mais irritados com a violência.”
Ainda assim, a polícia considera que a onda de protestos é o maior desafio que a província enfrentou na última década e o Belfast Telegraph calculou em 13,5 milhões de euros os prejuízos causados à economia local, juntando os custos de policiamento à redução das vendas do comércio durante o Natal. O Governo autónomo teme também que os investidores que tenta atrair se retraiam com a violência e os partidos unionistas avisam que a violência dá novos pretextos aos dissidentes republicanos. Só que a fúria persiste: “Nada mudou, os protestos só param quando a bandeira for hasteada”, disse ao Telegraph um participante nas acções de protesto.
E, no sábado, 150 unionistas planeiam viajar até Dublin para um protesto inédito. “Vamos desafiar o Governo da Irlanda a deixar de hastear a sua bandeira 365 dias por ano no Parlamento. Se os nacionalistas dizem que não podemos fazê-lo em Belfast, então eles devem deixar de hastear a bandeira deles ”, disse ao Guardian um dos organizadores da acção.