Ninguém salva os sírios da tirania de Bashar al-Assad
Há um ano ainda se duvidava: iria Bashar al-Assad matar mais do que os 20 mil sírios de Hama massacrados às ordens do pai, Hafez? Há um ano, Assad filho estava seguro no seu palácio na colina a que é preciso subir para abarcar a enorme e caótica Damasco. 45 mil mortos depois, Assad está tudo menos seguro mas é cada vez mais mortífero.
O mundo disse-lhe: "as armas químicas são a linha vermelha". Assad não as pode usar, nem deixar que um grupo radical lhes toque, nem permitir que caiam nas mãos dos seus aliados do Hezbollah libanês. Barack Obama não o permitirá, Israel não o vai tolerar, David Cameron e François Hollande garantem que o mundo não ficará quieto se isso acontecer. Assad ouviu e não mexe nas armas químicas. Mísseis Scud e bombas de fragmentação contra bairros, filas do pão e escolas também matam. Nos dias bons morrem 100 sírios, nos maus quase 200.
Ainda alguém se lembra dos miúdos de Deraa? Escreveram "o povo quer a queda do regime" na parede da escola e foram presos e torturados, em Fevereiro de 2011. Antes dos massacres de Homs, dos jornalistas mortos em Bab al-Amr, dos hospitais transformados em centros de tortura de feridos, das fotos e vídeos com filas de crianças esventradas. Crianças sírias de caras e corpos desfeitos. A cada semana, novas imagens, é só saber onde procurar.
2012 foi o ano em que os manifestantes que em 2011 se fizeram rebeldes perderam o medo e a paciência e se lançaram às goelas do regime alauita. Entraram em Damasco e mataram à bomba alguns dos que organizam a chacina do tirano. Entraram em Alepo e lá ficaram, sem armas para ganhar e sem poder recuar, e agora Alepo, com o seu bazar Património da Humanidade e mesquitas de todos os tempos e igrejas vivas e hotéis de charme, é um campo de batalha onde já se morre tanto de doenças respiratórias e fome como de feridas da guerra. Há 4,5 milhões de sírios com fome, sem comida, com doenças e sem medicamentos, e a ONU sabe que só pode ajudar os 500 mil destes que fugiram e passaram a fronteira.
2012 foi o ano em que Kofi Annan negociou um cessar-fogo nunca cumprido e desistiu. Em que a Turquia e os EUA e dezenas de outros países fizeram nascer o grupo de Amigos da Síria e organizaram conferências e reconheceram a oposição como representante dos sírios. O ano em que a ONU e a Liga Árabe substituíram Annan por Lakhdar Brahimi. Os russos, que com o seu poder de veto garantem a impunidade do regime no Conselho de Segurança, perceberam que Assad está condenado. A NATO instalou um sistema de defesa antimíssil na Turquia. E daqui a dias, Brahimi e Moscovo deverão anunciar um novo acordo para pôr fim aos massacres. Assad talvez aceite sair, mas o mais provável é que queira continuar a resistir e a matar e o Irão vai continuar a dar-lhe combustível e armas.
Obama está preocupado com os islamistas e com os jihadistas de 23 nacionalidades que entretanto fizeram sua a luta de todos os sírios e que sauditas, turcos e qataris armam como não armam os sírios moderados que começaram por se manifestar a pedir o fim da impunidade de quem prendia e torturava miúdos como os de Deraa. Todos estão preocupados com o pós-Assad e com as consequências do sectarismo que o tirano alimentou e com os efeitos regionais, e o Líbano e o Iraque e a Jordânia e os curdos e os sunitas que nunca vão perdoar os massacres dos alauitas.
É impossível salvar os sírios do seu tirano assassino? É. Tão impossível como aceitar um Irão nuclear ou arriscar sujar as mãos. Obama já foi reeleito, mas nem por isso tem tempo ou energia ou vontade para fazer do fim da destruição da Síria uma prioridade. Alguém vai salvar os sírios do seu tirano assassino?