2012, o ano em que o país abdicou de o ser
Um ano que acaba com uma angústia: vivemos uma transição ou estamos já num precipício?
A pergunta mais importante que os portugueses fazem por estes dias vai ter de esperar pelo veredicto da História. Olharemos para 2012 como um ano de transição, ou estamos já nos primeiros metros de um precipício? Que as terríveis provações do ano vão deixar marcas em milhares de famílias, ninguém duvida; que a classe política revelou não estar à altura dos acontecimentos, poucos discordam; que o Estado de Direito e a democracia se degradaram, todos perceberam; que, no seu conjunto, a intelectualidade se perdeu e desistiu de pensar o país, resulta por demais evidente. Mas, se a crise é facilmente lida e percebida em fatias, mais difícil é situá-la no tempo médio das nossas vidas. Sabemos que 2012 deixou à vista o estertor de um tempo de confiança na modernidade europeia. O que não sabemos, e é isso que mais angustia, é se percorremos um mero declive num percurso ou se estamos de volta ao Portugal pobre e arcaico do passado.
Nessa dúvida, 2012 deixou sinais contraditórios. Depois de se ter acreditado (mais por fé do que por razão) num ajustamento rápido e razoavelmente indolor, este ano ficou-se com a certeza de que vai ser tudo muito pior. No princípio, Passos Coelho sugeria que o défice e a dívida seriam debelados com a terapia ideológica do neoliberalismo, mas depressa percebeu que, mais do que ideias, a troika exige contabilidade. Mas a contabilidade exige matemática, e a matemática nem sempre nos dá o que se lhe pede. Como Sísifo, Passos e Gaspar gastaram o ano a empurrar a pedra (os impostos) pela encosta, para acabarem sempre derrotados pelo ricochete da austeridade na colecta fiscal. Com menos protecção na Segurança Social ou nas leis do trabalho, com o desemprego a galopar, Portugal voltou a fé para uma vitória no Europeu de futebol, regozijou-se com sucessos de artistas extraordinários como Miguel Gomes, reflectiu sonhos e dor nos jovens que emigraram, olhou para o resiliência das empresas exportadoras e temperou o desespero. Não dá para mais.
As manifestações de 15 de Setembro mostraram a existência de limites para tanta desesperança. Mas não foram suficientes para evitar a insistência na austeridade. Esgotado o filão dos impostos, o Governo fez saber que tem como reserva reformas no Estado social. O Portugal inspirado no modelo social europeu, soubemo-lo então, está ameaçado ou talvez condenado. O despertar para a economia real, para a agricultura ou para a reindustrialização não chegará para nos poupar ao diktat do empobrecimento. Passos e Gaspar tornaram-se meros executores de um caderno de encargos e, olhando aos seus impactes, custa a perceber como o fizeram com tanto zelo e subserviência. E é talvez aqui que o "espírito de 2012" vai deixar as suas marcas mais indeléveis: as marcas de um país que se limitou à remissão dos seus pecados financeiros e suspendeu por tempo indeterminado o seu projecto colectivo. Um país que, afinal, abdicou de o ser.