O cineasta invisível
Na morte de um cineasta chave do cinema português, a sua obra está inacessível.
No YouTube, então, um anónimo caridoso decidiu disponibilizar o filme integral para quem o quiser ver. Os Verdes Anos não é caso único. De todos os filmes que Paulo Rocha realizou – e entre eles está outro título emblemático do Cinema Novo, Mudar de Vida – nem um se encontra actualmente disponível em DVD. Não é, deve-se dizê-lo, caso único nos anais do cinema português (vem à cabeça António Reis, por exemplo). Mas não ser caso único não deixa de o tornar gritante.
O resultado é este: lamentamos a morte de um cineasta cuja importância é fundadora para toda uma geração de realizadores e cuja obra se mantém invisível, mesmo os filmes mais recentes como O Rio do Ouro ou A Raiz do Coração. Mesmo que Os Verdes Anos faça 50 anos em 2013, é mais fácil encontrar as comédias portuguesas dos anos 1930, a obra de Manoel de Oliveira ou as Balas e Bolinhos nos escaparates das lojas do que um filme do Cinema Novo português.
Poder-se-ão apontar muitas razões para isto, de ordem jurídica, financeira ou comercial (e o próprio cineasta, que detinha os direitos de quase toda a sua obra, sonhava e desejava a sua reedição). Mas a verdade é esta: em que outro país do mundo um dos filmes-chave da sua história cultural se encontra invisível? Em que outro país do mundo a obra de um cineasta com a importância de Paulo Rocha não está disponível para ser vista por quem o queira conhecer?
É sintomático do país que temos: um país onde a história cultural – que não é menos importante do que a história social, política ou económica, embora todos achem que sim - continua a ser tratada a sete pés. Um país onde o cinema continua a ser um “enteado” que se espera consiga sobreviver sem que seja preciso prestar-lhe muita atenção – e depois acontece isto: morreu Paulo Rocha e não podemos celebrar o seu cinema, apenas a nossa memória (ou a memória que os outros têm) desse cinema.
Mas é também algo de uma ironia triste e amarga: num momento em que, supostamente, a tecnologia permite conservar ou redescobrir, num momento em que mesmo as cinematografias mals longínquas e exóticas estão ao alcance de um teclado, o cinema de Paulo Rocha está ausente, perdido, esquecido. Por quanto mais tempo?