Um bom motivo

Estou apenas festejando que - como raras vezes se viu neste Brasil - uma ação penal que envolve gente poderosíssima foi levada a cabo por nossa mais alta esfera de Justiça

Nas bandas de cá do Atlântico não temos ido às ruas e nem protestado muito como vocês por aí. Mas na última semana deveríamos ter ocupado cada centímetro do espaço público para celebrar uma vitória. Não, não é o título do Mundial Interclubes do Corinthians (que bateu o Chelsea na final) ou do São Paulo (sim, meu clube), que venceu um fraco time argentino chamado Tigre, que contrariando a essência do próprio nome, fugiu como um gatinho ao vestiário e não retornou para o segundo tempo.

Estas linhas não são sobre futebol. São sobre algo que afeta (ou pelo menos deveria afetar...) ainda mais a todos. Justiça. Não sei se herdamos de vocês nossa profunda raiz de impunidade, que orbita em todas as esferas do judiciário e da sociedade. Oxalá que não. Aqui (tomara que aí não seja nem de perto parecido) quem tem grana tem liberdade, simples assim. E quem não tem, tem espaço reservado em alguma jaula do nosso belíssimo (haja ironia) sistema carcerário.

Bom, vamos à vitória. Terminou nesta semana o maior julgamento da história do Supremo Tribunal Federal, o da ação penal 470. Ou o popular Mensalão - aqui adoramos apelidar as coisas, até as erradas, escusas e imorais. Foram mais de sete anos de processo, quarenta réus e seus advogados caríssimos (quem pagamos?!) que sempre arrumam brechas em nossas leis e os livram de todo mal, e uma implacável série de recursos visando retardar o julgamento e assim fazer com que crimes prescrevessem.

O mérito não é do ministro Joaquim Barbosa (festejado como herói pela imprensa daqui), relator da ação, que mesmo com milhares de páginas de depoimentos, indícios e um surreal e dolorido problema de coluna, conseguiu levar o julgamento adiante. Custasse o que custasse. E foram mais de quatro meses de longas discussões e debates, com dez ministros votando, e exercendo coletivamente a mais superior das decisões que um país pode ter.

Era transmitido ao vivo pela TV Justiça e pela internet. Até que assisti bastante (aqui entra um pedido oficial de desculpas à minha editora), mas precisei de algumas tardes para entender melhor os termos e a lógica. Mas foram necessárias apenas poucas intervenções para sacar que aquelas são pessoas da mais alta formação e sofisticação intelectual, com visão de mundo e de humanidade incrivelmente acima da média. E olha que anda difícil me impressionar ultimamente.

Ao longo de todo este tempo, a corte enfrentou muitas armadilhas, muitas tentativas de sabotar, adiar, procrastinar o legítimo julgamento. Não estou opinando aqui se as sentenças foram justas ou não, se o Partido dos Trabalhadores corrompeu parlamentares e comprou apoio da base aliada ou não. Se o caso chegou até o Supremo, obviamente não foi inventado e obviamente não se encheram as milhares de páginas do processo com 'nononononono'. Estou apenas festejando que - como raras vezes se viu neste Brasil - uma ação penal que envolve gente poderosíssima foi levada a cabo por nossa mais alta esfera de Justiça. E isso é democracia. E isso sim deve ser celebrado. Doa a quem doer.

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