A última aula de Paulo Varela Gomes
Não é provavelmente muito canónico escrever sobre o colunista que comigo alterna semanalmente neste espaço do jornal. Mas canónico também não é o Paulo Varela Gomes, e a ocasião justifica-o. Desde que começou regularmente a publicar artigos sobre arquitectura, em 1985, o Paulo abriu um novo capítulo de um livro que ainda não tinha sido escrito. Desde logo, não sendo arquitecto, era estranho ao "chorinho" dos arquitectos que ainda hoje se faz notar. Depois, acrescentava uma cultura anglo-saxónica à matriz essencialmente latina da arquitectura portuguesa. Depois, ainda, escrevia muito bem e depressa, electrocutando a arquitectura com todos os seus opostos.
Após anos de intensa militância comunista, deixava-se seduzir por tudo o que se dissolvia no ar. A democracia descobria-se no prazer da vida a impor-se (provisoriamente) aos rigores da luta política, que é uma das formas de definir o pós-modernismo desse período, em Lisboa. Acompanhando a inclinação do tempo, no final da década aproxima-se da cultura do Porto. Entretanto, a conjugação de uma vertiginosa curiosidade com a disciplina do historiador criava objectos brilhantemente au courant. É ainda um intelectual com cultura visual, uma raridade entre nós.
A partir do início dos anos 1990 comecei a encontrá-lo regularmente na nossa escola, na Universidade de Coimbra. Enfant terrible (ou devo dizer troublemaker?), por natureza, o Paulo revelava-se também um extraordinário professor. Sem par, em todos os aspectos científicos e pedagógicos, mantinha uma inata tendência para a agit-prop. Tudo somado, ficávamos a ganhar, de longe.
No momento em que escrevo, o Paulo ainda não leccionou a Última Aula, na nossa escola, o que já terá acontecido quando me estiverem a ler. Aposentou-se, também cansado da particular energia preguiçosa dos alunos, que sempre o adoraram. Merece um reconhecimento nacional, e internacional, alargado e formal, que lhe tem escapado. Felizmente conta com uma legião de admiradores, onde me incluo.
Ultimamente, desiludiu-se muito com o nosso país, como tanta gente. Os tempos recentes têm dado razão à sua veia apocalíptica, contra o meu optimismo, um motivo permanente das nossas conversas. A alegria caótica de anos passados, no momento da democracia, deu lugar ao regresso a uma matriz neo-tardo-eco-marxista. Mas nesse ressentimento há ainda uma alegria que muitos "optimistas" nem sequer sonham que existe. Para a crítica de arquitectura em Portugal - que foi apenas uma ocupação parcial e temporária -, o Paulo Varela Gomes é um Big Bangsó comparável ao Nuno Portas. O que eu aprendi com ele - o que eu copiei dele - explica quase tudo o que faço. Por isso, ao contrário do que dizes, Paulo, não posso ser mais adulto do que tu.