Cortes salariais na TAP tornam-se inevitáveis com recuo na privatização

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Fernando Pinto disse ontem que a venda a Efromovich "era uma oportunidade, mas não uma necessidade" Rui Gaudêncio

Ao manter-se pública, a TAP terá de cumprir regras do Orçamento do Estado, que obriga todas as empresas a cortar salários. A não ser que o Governo volte atrás e lhe conceda um regime especial

Por muitas voltas que o Governo e a administração da TAP tentem dar à reestruturação que será implementada para garantir a viabilidade financeira da companhia, é muito provável que o plano contenha cortes nos salários dos trabalhadores. É que, ao manter-se pública, a transportadora terá de cumprir as regras inscritas no Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano e, com isso, emagrecer até 10% os vencimentos das 11 mil pessoas que emprega em Portugal.

A reestruturação da transportadora, cuja venda a Germán Efromovich foi chumbada na quinta-feira, começou há três anos, quando foi fortemente atingida pela crise. Mas, agora que a privatização foi colocada em stand by, o controlo será ainda mais apertado, como confirmou ontem o presidente da TAP, Fernando Pinto.

"No mercado que temos hoje, as empresas vivem em reestruturação. Precisamos de uma agora que terá de ser mais profunda", disse em conferência de imprensa o gestor brasileiro. As medidas para garantir a sustentabilidade estão em discussão com o Governo. Ontem, Fernando Pinto já se reuniu com o executivo.

Há, porém, um ponto que fará inevitavelmente parte das negociações: os cortes salariais. Mesmo que este passo não fizesse parte dos planos da administração, que aproveitou ontem para se queixar da fuga de quadros por perda de competitividade nos salários, é o próprio OE para 2013 que obriga à aplicação de reduções nos vencimentos, ao mesmo nível do que foi mantido na função pública.

Ou seja, tendo em conta o que diz a lei, a partir de Janeiro a TAP terá de fazer emagrecimentos entre 3,5 e 10% para as remunerações a partir de 1500 euros brutos. Se a TAP tivesse sido vendida, esse problema não se colocaria. Isto apesar de o novo accionista ter liberdade para tomar as suas próprias medidas de contenção de despesas, caso assim entendesse.

Se o chumbo na privatização tivesse acontecido em 2011, tudo seria diferente. É que o OE para este ano ainda permitiu regimes especiais para algumas empresas. E a TAP foi uma delas. Ao abrigo de uma alínea que prevê "adaptações", a transportadora aérea (tal como a CGD e a SATA) conseguiu escapar aos cortes salariais estipulados para a função pública.

Numa versão preliminar do OE para 2013, essa alínea mantinha-se, clarificando apenas que as excepções seriam concedidas a empresas em concorrência. Mas, quando o documento foi entregue na Assembleia da República a 15 de Outubro, essa possibilidade tinha desaparecido, o que vai fazer com que apenas uma entidade tenha direito a esta regalia. Trata-se da NAV, que foi excepcionada porque as receitas que gera dependem dos custos que reporta ao organismo europeu Eurocontrol.

Gestores com regalias

Apesar de o OE para 2013 ditar cortes salariais na TAP, o Governo já está a ser pressionado para não seguir este caminho. Ontem, na reunião que sentou à mesma mesa sindicatos da transportadora aérea, o ministro da Economia e o secretário de Estado dos Transportes, a questão foi abordada. Os representantes dos trabalhadores transmitiram que estão disponíveis para dialogar sobre medidas de redução de custos, mas primeiro querem ver outro problema resolvido: o da deficitária empresa de manutenção no Brasil.

Caso o Governo não recue e a transportadora seja mesmo obrigada a reduzir vencimentos, o conselho de administração da TAP, que é o mais bem pago no universo das empresas do Estado, também será afectado. Mas há outras questões ao nível do salário da gestão que ainda estão por resolver.

Quando o Estatuto do Gestor Público foi revisto, a equipa de Fernando Pinto foi excepcionada dos cortes nos vencimentos dos gestores públicos, que foram obrigatoriamente equiparados ao salário do primeiro-ministro (6850,24 euros brutos por mês). No entanto, o Governo permitiu à TAP e a outras quatro empresas que mantivessem as remunerações intactas, porque estavam em processo de privatização ou de liquidação.

Mas agora que a venda da transportadora aérea vai ser adiada, o executivo terá de repensar esta decisão, já que poderão passar-se muitos meses até que o novo processo de privatização avance. Em 2011, os seis elementos da equipa de gestão da empresa receberam um total de 1556 milhões de euros. Fernando Pinto ganhou 359 mil euros nesse ano. Outros 342 mil euros foram pagos a quatro membros, todos brasileiros, a título de subsídio de deslocação.

Esta questão não pode ser dissociada do facto de a administração da TAP já ter terminado o mandato em Dezembro de 2011. O gestor brasileiro tinha dito este ano que ficaria no cargo para fechar a privatização. Ontem, na conferência de imprensa, não levantou o véu sobre este tema. A continuidade, disse, depende de duas vontades: do Governo e da equipa de gestão.

Fernando Pinto aproveitou para dizer que o processo de privatização teve muitos "equívocos", nomeadamente no que se refere à situação financeira da empresa, garantindo que os resultados deste ano serão melhores do que os prejuízos de 76 milhões registados em 2011. O gestor disse ainda que a venda a Efromovich "era uma oportunidade, mas não uma necessidade".

Decisão "não foi política"

À mesma hora que Fernando Pinto falava, o primeiro-ministro justificava no Parlamento o chumbo dado o milionário colombiano-brasileiro. João Semedo, do BE, fez disparar a irritação de Passos Coelho ao questionar qual a ligação do ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares Miguel Relvas no negócio e ao classificar o negócio como uma "trapalhada".

Por momentos, o primeiro-ministro deixou o tom calmo que costuma usar. "O senhor Efromovich apresentou-se à candidatura para a privatização da TAP como qualquer concorrente, a insinuação de que existe qualquer falta de transparência (...)não passa de uma calúnia quando é apresentada sem qualquer outro fundamento", respondeu.

O primeiro-ministro haveria de retomar um tom mais suave quando respondeu às perguntas de Nuno Magalhães, líder da bancada do CDS. "O Governo lamenta o desfecho do processo de privatização da TAP", admitiu, reconhecendo que gostaria de ter concluído a venda porque a empresa "precisa de investimento que o Estado não pode fazer". Mas aproveitou para responder ao empresário Gérman Efromovich, que contestou a decisão do executivo, argumentando desconhecer a data-limite para apresentar garantias bancárias.

"Não vale a pena o concorrente vir agora dizer que pensava que era para apresentar mais à frente. Havia total clareza nas regras", afirmou, garantindo que a decisão "não foi política". Passos Coelho garantiu ainda que voltará a colocar a privatização da transportadora aérea "assim que for oportuno". com Sofia Rodrigues e Margarida Gomes

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