Governo tentou até ao último minuto um acordo para vender TAP a Efromovich

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Avião da TAP e, ao fundo, avião da Avianca, a transportadora aérea colombiana de Efromovich PAULO WHITAKER/REUTERS

Últimas negociações com o milionário para exigir garantias bancárias decorreram ainda durante o Conselho de Ministros de ontem. Esta privatização acabou, mas outra há-de vir

Passavam 15 minutos das 14h quando o telefone de Efromovich tocou na Colômbia. Do outro lado da linha estavam o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, e a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque. Numa conversa de dez minutos, que terá sido cordial, informaram o único candidato à TAP que o "casamento", como o próprio se referia ao negócio, não seria consumado.

Este não foi um daqueles casos em que a noiva não apareceu no altar ou em que as alianças ficaram perdidas pelo caminho. Ao que parece, foi o próprio noivo que se esqueceu da data do matrimónio. É que Efromovich alega que foi tudo "um grande mal-entendido". Para o investidor, as garantias bancárias que estavam em falta, de acordo com o Governo, só deveriam ser apresentadas no dia da assinatura do contrato de venda, a 27 de Dezembro.

Ontem, o executivo de Passos Coelho tentou até ao último minuto um acordo com o empresário, que se nacionalizou polaco (por herança dos pais) só para comprar a TAP. Ainda durante o Conselho de Ministros houve negociações de última hora para o convencer a apresentar provas de que concretizaria a oferta que fez pela companhia. Mas nada feito.

Na prática, toda a proposta de Efromovich, que rondava os 1,5 mil milhões de euros, revelava fragilidades. Dos 35 milhões que prometeu pagar directamente ao Estado pela compra da transportadora aérea, apenas dez milhões entrariam em dinheiro. Faltavam documentos da banca a atestar a capacidade do investidor para avançar com os restantes 25 milhões.

As inconsistências também se fizeram sentir no plano da recapitalização da TAP, que necessita de uma injecção de capital para equilibrar a sua estrutura financeira. O milionário tinha-se predisposto a avançar já com 166 milhões e com outros 150 milhões num prazo de 18 meses. Mas a intenção, espelhada na última proposta que entregou no final da semana passada, não foi sustentada por garantias bancárias.

Problema semelhante aconteceu com a derradeira fatia da oferta que fez pela empresa: a assunção de uma dívida de mil milhões de euros. Neste caso, até ontem ainda faltava convencer todos os bancos da transferência deste passivo, que está garantido pelo Estado português, para um novo fiador, Germán Efromovich.

O milionário fala de um "equívoco", diz que houve "precipitação do Governo". Numa entrevista telefónica que deu ontem ao PÚBLICO, afirmou que "tem todos os recursos financeiros disponíveis", acrescentando que "o fecho do contrato seria o momento de pagar e de documentar as garantias. O Conselho de Ministros era só o momento de analisar a proposta".

Mas Efromovich sabia que, sem provas, o negócio não iria para a frente. Aliás, na noite de quarta-feira, véspera do Conselho de Ministros, houve intensas negociações entre as partes para assegurar que as garantias apareciam. Isto enquanto, no Parlamento, o ministro da Economia garantia aos deputados que a venda da TAP iria salvaguardar o interesse nacional. "Não temos nada a temer", declarou Álvaro Santos Pereira.

Dinheiro sem garantias

A questão das garantias bancárias foi, desde o início, o calcanhar de Aquiles nas negociações com o único candidato à TAP. Mais até do que o dinheiro que oferecia ou da contestação que se gerou em redor deste negócio. Efromovich apresentou a proposta final de compra a 7 de Dezembro, depois de ter sido o único investidor a entrar na ronda de ofertas preliminares (o grupo IAG e a Alitalia abordaram o Governo, mas não avançaram).

Alguns dias depois de receber a proposta, o executivo pediu ao milionário que clarificasse alguns pontos, nomeadamente o das garantias. E, no final da semana passada, recebeu a resposta. Efromovich decidiu aumentar a parada, tendo reforçado em 150 milhões a oferta, pelo lado da recapitalização da TAP. O dinheiro era bem-vindo, já que os capitais próprios (diferença entre activo e passivo) da empresa estão negativos em cerca de 400 milhões de euros. Faltava, porém, o que o Governo tinha pedido: documentos que atestassem que o dinheiro era real.

Foi quando se temeu que essa prova nunca viesse a aparecer que os secretários de Estado do Tesouro e dos Transportes telefonaram a Efromovich, no final do Conselho de Ministros. Quando a conversa terminou, desceram até ao auditório onde os esperavam duas dezenas de jornalistas. Maria Luís Albuquerque vinha quase sem expressão. Mas mal Sérgio Monteiro entrou na sala percebeu-se. A TAP não tinha mesmo sido vendida.

TAP pública, por agora

O facto de a privatização não ter avançado agora não significa uma mudança nos planos do Governo, que vai "reavaliar a estratégia", disse ontem a secretária de Estado do Tesouro. "Reafirmamos a intenção de prosseguir", sublinhou, dando conta de que a ideia é vender a empresa ainda no decorrer do programa de ajustamento financeiro do país, que termina em 2014. Até porque este negócio está inscrito no programa de privatizações acordado com a troika.

A venda da TAP, que sucessivos governos tentam fechar há mais de 20 anos, dificilmente terá os mesmos moldes da que ontem se frustrou. Será preciso assegurar que aparecem mais investidores, o que poderá implicar negociações com a União Europeia para ultrapassar as regras que impedem que candidatos extracomunitários detenham mais de 49% de uma companhia europeia. E será indispensável encontrar uma solução para a deficitária unidade de manutenção no Brasil.

Até que isso aconteça, a transportadora aérea ficará, como até aqui, nas mãos do Estado. Mas algo terá de ser feito para garantir que não entra em ruptura financeira. E há ainda que resolver como fica a equipa de gestão de Fernando Pinto, que hoje falará numa conferência de imprensa às 11h30. É que o mandato do gestor brasileiro já terminou em Dezembro de 2011 e o seu salário (de 30 mil euros por mês) foi excepcionalmente mantido porque havia uma privatização em curso.

Quando o briefing do Conselho de Ministros terminou, já não havia trabalhadores da TAP em vigília. Nem as faixas de protesto contra a venda da companhia resistiram. Mas as reacções dos sindicatos, partidos políticos e outras figuras nacionais ao chumbo que o Governo deu a Efromovich não tardaram.

O líder parlamentar do PS considerou, Carlos Zorrinho, disse que a decisão foi "boa" para o país e que o Governo foi "obrigado a recuar" num processo "que começou mal e nunca mais foi transparente". Já o PCP declarou que a desistência da venda foi uma "vitória dos trabalhadores", enquanto o Bloco de Esquerda repetiu o apelo à manutenção na TAP na esfera pública.

Os sindicatos, por sua vez, consideraram que houve "bom senso" na decisão do executivo. Para os tripulantes, o processo "não foi conduzido da melhor forma desde o início". A comissão de trabalhadores da empresa mostrou-se satisfeita com o desfecho do negócio, mas lembrou que o Governo "vai voltar à carga" na intenção de vender a empresa.

Hoje, os dois secretários de Estado que telefonaram a Efromovich para lhe dar conta de que o casamento acabara, antes sequer de começar, vão ser ouvidos no Parlamento.

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