Espectáculo de encerramento da Capital da Cultura é feito pelos vimaranenses
Então Ficamos...é o resultado de mais de dois anos de trabalho de artistas profissionais com as comunidades locais
Está repleto o corredor do Pavilhão Multiusos de Guimarães. Tudo se torna apertado quando é preciso acolher as mais de 500 pessoas que ainda fazem os últimos acertos no espectáculo de encerramento da Capital Europeia da Cultura (CEC), marcado para esta noite (22h). E é ainda mais difícil percorrer o espaço quando há um grupo de crianças que não pára de correr de um lado para o outro. Como se gere tantas pessoas? "Não faço ideia", confessa António Durães, director artístico de Então Ficamos....
"Também temos que perceber como nos relacionamos com esta gente toda e como estamos juntos, apesar de sermos tantos", explica o actor. Durante dois anos e quatro meses, estas pessoas estiveram juntas várias vezes. O programa de Comunidade da Guimarães 2012 levou os artistas às várias freguesias do concelho, onde organizou residências, oficinas e pequenos espectáculos. Então Ficamos... surge como súmula desse trabalho e envolve mais de 500 pessoas de 55 localidades. Desde o início do ano que trabalham no encerramento da CEC, ensaiando, no terceiro domingo de cada mês, na Academia Krisis, criada para preparar o espectáculo de hoje.
O espectáculo mistura teatro, dança e, sobretudo, música. Fernando Lapa e José Mário Branco são os directores musicais de uma criação que envolveu artistas como Amélia Muge, Carlos "Pacman" Nobre ou os Mão Morta. Os profissionais pegaram nas histórias e nas memórias das pessoas e criaram a partir delas. "É como se as pessoas nos tivessem mostrado uma escada, nós trepamos a escada e agora estamos a chamar as pessoas para o cimo da escada", ilustra António Durães.
Os vimaranenses participaram no processo desde o início e também estão do princípio ao fim no espectáculo de encerramento. As correrias das crianças no corredor do Multiusos não agradam a Teresa Rosa, de 70 anos. "Estava a correr bem, mas há muita criança que veio baralhar isto", explica. Ainda assim, garante que o espectáculo "vai ser bonito".
Ao seu lado está David Meireles, 12 anos mais velho, que vimos em vários espectáculos durante o ano, por exemplo, em City Maquette, da coreógrafa Mathilde Monnier. Não esconde a satisfação dos dois anos intensos que viveu por causa da Guimarães 2012: "Eu entrei descalço e saí de sapatinhos". "Isto muda a vida a uma pessoa", acrescenta Moisés Ferreira, de 50 anos, que também vai participar no espectáculo de hoje.
Então Ficamos... marca o encerramento oficial da Capital da Cultura, que se prolonga durante 48 horas (ver caixa). Antes do espectáculo, acontece a sessão formal de passagem de testemunho de Guimarães 2012 para Marselha (França) e Kosice (Eslováquia), que recebem o título no próximo ano.
Mas o principal legado do programa de Comunidade da Guimarães 2012 tem a sua continuidade garantida para lá do encerramento formal do evento. O coro Outra Voz - que é um dos elementos principais do espectáculo Então Ficamos... - foi constituído como associação e vai continuar activo no próximo ano. "De repente há 150 pessoas que têm outras 150 pessoas novas na vida delas e não querem deixar de as ter", justifica João Guimarães, um músico local que se tornou uma das figuras centrais do projecto.
O que começou por ser um grupo coral de 13 pessoas, há dois anos, tornou-se num colectivo enorme com 150 participantes, que deu concertos no CCB e na Culturgest, participou no disco de Amélia Muge e Michales Loukovikas ou na performance do artista sonoro Jonathan Saldanha, que teve por base a acústica da estamparia da antiga fábrica Asa. Os artistas profissionais "vão querer continuar a trabalhar com o Outra Voz", confia João Guimarães. E não é só por motivos artísticos, é também pelo lado humano: "Aqui temos coisas para conhecer, partilhamos histórias e aprendemos com as pessoas".