O mundo vai acabar, mas não será a 21 de Dezembro de 2012
Impactos de meteoritos, actividade solar alta, a colisão de um planeta-fantasma ou uma mega-erupção. A pseudociência está a dar gás a uma falsa profecia maia e o medo das pessoas é alimentado pela falta de cultura científica, dizem os astrónomos.
"Esta ideia do fim do mundo começou a transparecer no ano passado, através de informações pedidas ao Observatório de Astronomia de Lisboa", lembra ao PÚBLICO Rui Agostinho, director do observatório, astrónomo e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "Havia perguntas sobre se o mundo ia mesmo acabar. Havia outras pessoas que nos enviavam textos e mostravam estar muito preocupadas com o fim do mundo."
Segundo Rui Agostinho, estas preocupações provinham de uma minoria de pessoas. Mas o astrónomo acrescenta que nas escolas houve também professores que contaram que alguns alunos partilharam as mesmas inquietações. Este medo tão inusitado e revelador de tanto desconhecimento fez com que o observatório organizasse palestras que agregou no ciclo Sessão Apocalíptica.
Amanhã às 21h30 será dada a palestra final: Maias 2012: O fim dos tempos? A palestra já tem as reservas esgotadas, mas quem quiser pode vê-la em directo na Internet, através do site do observatório. O orador será o próprio Rui Agostinho, que irá desmontar esta fantasia que cresceu e se transformou numa mistura de má narrativa histórica, pseudociência e muita superstição. Acabou, porém, por fomentar muitos medos.
O anúncio do fim do mundo é quase tão velho como a humanidade. Houve centenas de previsões ao longo dos séculos, muitas em tempos terríveis, como durante a epidemia da peste negra na Idade Média, na Europa. O século XXI não mudou de registo. Um deles foi o suposto buraco negro que o LHC (o grande acelerador de partículas do Laboratório Europeu de Partículas, ou CERN) iria desencadear, quando começasse a trabalhar em 2008.
A humanidade já esteve para desaparecer muitas vezes, segundo as profecias. A próxima é sempre a derradeira, pelo menos até esse momento ficar para trás.
"O mundo é muitas vezes visto como um sítio terrível, cheio de opressões, injustiças e com a ameaça da morte", disse Lorenzo DiTommaso, um investigador e especialista em catastrofismo. "A visão apocalíptica dá uma resposta poderosa: o mundo é tão mau que não pode ser restaurado. Por isso é varrido."
DiTommaso, que pertence ao Departamento de Teologia da Universidade de Concordia, no Quebeque, Canadá, defende que religiões como o judaísmo, o cristianismo ou o islão profetizaram o apocalipse. Essa tradição escapista, de vingança contra o mal e de um bem redentor após o fim de tudo, continua bem viva.
"Mais e mais pessoas olham para o mundo através de uma visão apocalíptica. Uma das razões é que as coisas parecem irreparavelmente estragadas: o ambiente, a economia, o sistema político. No seu âmago, é uma resposta simples para problemas complexos. E é uma resposta adolescente, já que coloca no exterior de nós as responsabilidades da resolução dos problemas."
Na profecia de amanhã, a única culpa dos maias é terem inventado um calendário que funciona como o contador de quilómetros dos carros, que, quando chega ao fim, volta ao início. Os maias foram uma das mais importantes civilizações da América Central. Esta civilização tinha várias formas de contar o tempo, para determinar a sementeira e colheita do milho, para assinalar o ano solar e outra para longos períodos de tempo. Este último calendário assinalava os dias utilizando um contador com cinco casas, num sistema não decimal e que ia até aos 8000 anos. Depois, o contador seria obrigado a voltar ao início.
Segundo a profecia, o fim da contagem no calendário – e do mundo – seria no dia 21. Os arqueólogos pensam que esta contagem terá começado a 5 de Setembro de 3114 a.C. – basta fazer as contas para perceber que entre as datas só passaram 5126 anos. Outros argumentam que os maias falavam numa renovação do mundo a cada 5200 anos, em que um incêndio de enormes proporções e depois chuvas intensas iriam dizimar o mundo inteiro. E a humanidade recomeçaria a partir do zero.
A previsão apocalíptica começou a ganhar forma na década de 1960. Actualmente, tem recebido força com a ajuda de justificações pseudocientíficas: esta sexta-feira o fim do mundo será causado por tempestades solares fortíssimas, devido ao pico da actividade do Sol, apesar de os astrónomos dizerem que nada se passa de anormal; outros dizem que um asteróide ou um planeta-fantasma vai colidir com a Terra, mas que ninguém ainda observou no céu.
Outras hipóteses: inundações planetárias, megavulcanismo, sismos, alinhamento galáctico, uma alteração da energia do Universo.
"A apropriação dos termos da ciência é fundamental para dar credibilidade à ideia", desmistifica Rui Agostinho. "Se alguém dissesse que a grande banana cósmica vai afectar o planeta, ninguém acreditaria." Um dos grandes problemas é a falta de literacia científica para desconstruir estas ideias e questionar racionalmente estes argumentos pseudocientíficos. "A ciência é uma linguagem críptica, é preciso aprendê-la e não é fácil", sublinha o astrónomo, que na palestra irá rebater, uma por uma, todas as causas "científicas" do fim do mundo.
José Augusto Matos, astrónomo da Universidade de Aveiro, já deu uma conferência sobre este fim do mundo. "Referi que estas profecias não podem ser levadas a sério. O futuro não está escrito em lado nenhum. Não há nenhum pensador ou astrólogo que possa dizer que vai acontecer uma dada coisa." Para José Augusto Matos, "estas ideias acabam por ter algum sucesso devido à ignorância das pessoas, há muita falta de cultura científica".
Mas uma coisa será certa: o fim da Terra irá irremediavelmente acontecer. Se até lá nada de cataclísmico ocorrer, o destino do nosso planeta estará intimamente ligado com a morte do Sol, daqui a muitos milhões de anos. Talvez nessa altura isso não seja um problema para a humanidade, que poderá já ter colonizado outro planeta e nem se lembrar que um dia existiu a Terra.