Resistente à globalização, o Japão encaminha-se para o nacionalismo

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Uma eleição a brincar com candidatos reais num parque temático de Tóquio YOSHIKAZU TSUNO/AFP

O Partido Liberal do Japão deve regressar ao poder depois das eleições de hoje, concentrando-se num discurso que tem deixado de fora a indefinição económica

Num fôlego, Shinzo Abe recuperou da sua andrajosa demissão como primeiro-ministro, em 2007, e prepara-se agora para voltar ao cargo com uma surpreendente vitória do Partido Liberal do Japão.

As sondagens parecem apontar para uma pesada derrota para o Partido Democrata, que em 2009 tomou o poder aos liberais, que então haviam perdido a sua base de apoio e passavam por uma inédita crise de popularidade depois de terem governado o Japão em grande parte do pós-guerra. O Partido Liberal não deu a volta às fracas taxas de popularidade, mas, a par de um tumultuoso mandato dos democratas, o tom nacionalista de Shinzo Abe parece indicar de novo o caminho do poder para os liberais e o regresso à oposição para os democratas de centro-esquerda.

No palco das eleições japonesas há dois actores fundamentais: a crise do nuclear e a moribunda economia do Japão, praticamente estagnada há 20 anos e sem mostra de sinais de recuperação. Mas parece haver apenas um foco de luz a iluminar o cenário, dirigido para a questão do nuclear. O desastre de Fukushima irrigou a veia antinuclear da sociedade japonesa, o que levou a possibilidade da paragem da exploração nuclear para o centro da discussão política. Atrás desta discussão, dormente, jaz um gordo assunto cuja dimensão se confunde com a sombra do fundo do palco. A moribunda e estagnada terceira economia mundial entrou na quinta recessão técnica dos últimos 15 anos na véspera das eleições. Ao contrário do que aconteceu com o fôlego político de Shinzo Abe, a economia perdeu a pujança do "milagre japonês" das décadas de 70 e 80 para nunca mais a recuperar.

A década perdida

Durante os anos 70 e 80, a Europa e os Estados Unidos tentavam perceber se era razoável ter receio do apelidado "milagre japonês", o grande sucesso da economia do Japão no período inicial do processo de abertura dos mercados, que causava suores frios face a uma iminente invasão asiática dos mercados ocidentais.

De facto, a indústria exportadora japonesa vencia inequivocamente o combate industrial à escala do globo, com particular destaque para o sucesso da indústria automóvel e tecnológica. Cresciam o número de carros Toyota e Nissan nas estradas europeias e norte-americanas, a Sony trazia o walkman para suplantar o rádio a cassetes e a economia japonesa crescia motivada por uma capacidade de "inovação inigualável", como afirmou ao PÚBLICO Marcus Noland, vice-director do norte-americano Peterson Institute for International Economics.

O Japão cumpria então dois dos seus três grandes objectivos para o pós-guerra, como explicou ao PÚBLICO Nélson António, professor no ISCTE e especialista no método de gestão japonês. O país tinha três objectivos: conseguir um nível de qualidade de vida igual ao do Ocidente, retomar a prosperidade económica do pré-guerra e, finalmente, suplantar os EUA como principal economia mundial. "O último objectivo falhou", realça Nélson António, o que levou o Japão àquilo que o investigador afirma ser "um vazio de objectivos". Este fracasso tornou-se mais claro quando, no início da década de 90, o Japão via explodir uma bolha económica no seu mercado imobiliário que enviaria o país para uma década de recessão. Depois do milagre japonês, a década perdida.

A contradição japonesa

Desde a década de 90 que o Japão foi incapaz de retomar o caminho crescimento económico acelerado. A constante deflação estende-se há duas décadas, apesar das frustradas tentativas do Banco do Japão em reduzir os juros nos empréstimos bancários. À deflação e estagnação económica acresceu o problema da dívida pública japonesa, actualmente na casa dos 200% do Produto Interno Bruto (PIB), a maior dívida pública dos países desenvolvidos.

Os economistas ouvidos pelo PÚBLICO apontam para a falta de investimento privado no Japão como a principal causa para a estagnação económica. "O sector empresarial japonês continua a acumular receitas e não larga o dinheiro", explica Barry Bosworth, antigo conselheiro do presidente norte-americano Jimmy Carter e investigador da Brookings Institution.

Enquanto o Japão se suportava exclusivamente na sua indústria exportadora como forma de sustentar o seu crescimento económico, a economia nacional não foi incorporando as mesmas características dos mercados abertos da era da globalização, argumentam os economistas ouvidos pelo PÚBLICO. Barry Bosworth fala de um Japão com "duas economias separadas". De um lado, afirma, encontram-se as "empresas que estão habituadas a competir na economia global" e, do lado de lá do mundo globalizado, no território nacional, existe agora "um grande conjunto de empresas protegidas".

Segundo Barry Bosworth, as grandes empresas japonesas da frente industrial exportadora beneficiaram da pressão competitiva da globalização, que lhes trouxe a procura pela inovação. Mas, na economia nacional, na manufactura e no sector dos serviços, "existem níveis muito reduzidos de intervenção estrangeira, e o resultado é a falta das pressões da competição que força a inovação".

O mesmo argumenta Marcus Noland, do Peterson Institute for International Economics. "A regulação do Governo é um obstáculo para a entrada de investimento estrangeiro", afirmou ao PÚBLICO. "Isto tem que ver, em parte, com os problemas de regulação e com o facto de o Japão nunca ter sido uma economia particularmente globalizada", explica.

Apelo à desregulação

Masayuki Tanimoto, professor de História Económica Comparada na Universidade de Tóquio, reconhece que existe uma barreira à entrada de investimento e de trabalhadores estrangeiros no Japão. A isto junta-se um outro obstáculo para a abertura do mercado nacional à globalização económica. A típica gestão empresarial japonesa dá "uma voz relativamente fraca aos accionistas", quando comparada com o papel dos gestores e trabalhadores dos quadros, afirmou ao PÚBLICO. Para além do mais, as grandes empresas japonesas, afirma, representam um universo relativamente pequeno face à "grande quantidade de pequenas e médias empresas".

Algum do pejo japonês em abrir o mercado nacional ao investimento estrangeiro vem da tradição de emprego constante, um dos principais pilares da sociedade japonesa, como afirma Nélson António. Com a terceira taxa mais baixa de desemprego dos países da OCDE, o Governo japonês coloca "o valor emprego acima do valor produtividade", argumenta o professor do ISCTE, o que leva a uma tendência para criar postos de trabalho que, "na Europa, consideraríamos desnecessários".

"E porque é que haviam de mudar? A vida é bastante boa no Japão, parece a Europa de há um quarto de século", explicou ao PÚBLICO Barry Obsworth. É no valor trabalho que este investigador norte-americano vê levantarem-se os principais receios da abertura do mercado nacional japonês: "Se o Japão abrir o seu sistema financeiro, há grandes possibilidades de vir a perder".

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