Provedor da Criança foi sugerido no rescaldo do Casa Pia, mas nunca saiu do papel
A criação do provedor da Criança era uma das várias sugestões que, na sequência do escândalo provocado pelo abuso de menores na Casa Pia, constavam do relatório final apresentado em Novembro de 2004 pelo conselho técnico-científico que fora criado pelo Governo para minimizar as hipóteses de repetição de crimes semelhantes. Oito anos depois, porém, a sugestão nunca saiu do papel. "O provedor da Criança seria bem aceite na sociedade e, além disso, tornaria mais fácil e menos burocrática a denúncia dos casos de abuso", lamenta Roberto Carneiro, porta-voz desse grupo, que incluía ainda os psiquiatras Álvaro de Carvalho e Daniel Sampaio e a procuradora Dulce Rocha, entre outros.
A criação do Observatório da Criança também nunca avançou. A par disso, e apontando o exemplo dos países em que "não existem instituições de acolhimento" de menores em risco, Roberto Carneiro lamenta que não se tenha apostado nas famílias de adopção e acolhimento, capazes de ajudar a evitar a institucionalização dos menores retirados dos contextos de origem. "Há lá fora exemplos desses, de famílias que se submetem a um treino e formação específicos e que, quando é sinalizado um menor em risco, o acolhem", precisa Carneiro, para se dizer convencido que, "com uma campanha de sensibilização", seria possível atrair para essa tarefa famílias portuguesas, nomeadamente "entre aquelas que não têm filhos ou os têm, mas já estão emancipados".
O modelo existe, mas abrange poucas crianças. Dos 8938 menores que, no ano passado, estavam entregues ao Estado, segundo o Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens, apenas 485 estavam em famílias de acolhimento. A falta de incentivos ao acolhimento familiar tem sido apontada pelos diferentes especialistas como a principal razão para a escassez destas famílias (em 2010, havia uma bolsa de 520 famílias de acolhimento).
Além das propostas para a reestruturação da Casa Pia, o relatório demorava-se na sugestão de um conjunto de medidas destinadas a melhorar os modelos de intervenção e de estratégias de acolhimento de crianças e jovens em risco. Apesar do pouco que terá sido feito, a prioridade mantém-se actual. Só nos primeiros seis meses de 2012, as 305 comissões de protecção das crianças e jovens espalhadas pelo país identificaram 17.080 situações de menores em risco. No mesmo período, foram instaurados 14.512 novos processos.
Apesar de tudo, Roberto Carneiro considera que houve um trabalho "espantoso" de sensibilização e denúncia que obrigou as instituições que acolhem os menores a tornarem-se "mais transparentes". "Não quer dizer que não haja casos - a natureza humana é falível -, mas é muito mais difícil que passem despercebidos." E, sobretudo, "já não se fazem com a desfaçatez de antigamente e sem que ninguém tenha de prestar contas por isso". Em síntese, "em termos de controlo das garantias da integridade física e moral da criança, a situação melhorou imenso em Portugal", ainda segundo Roberto Carneiro.