BD em construção, segundo Chris Ware

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A recepção de Building Stories tem motivado pequenos ensaios sobre a memória e a arquitectura modernista

Citando o estudioso Bart Beaty em Comics versus Art (um muito jeitoso livro), se tudo pode ser arte, então (também) tudo pode ser BD. Parece um silogismo deficiente, mas serve para apresentar Building Stories, a nova obra de Chris Ware. Com o selo da Pantheon, consiste ao mesmo tempo num livro, numa série de livros, numa caixa e num objecto gráfico que podemos abrir, contemplar, ler e manipular. O autor americano compilou dez anos de produção, incluindo trabalhos inéditos, em 14 edições com formatos distintos, que narram a vida de uma jovem mulher (ao contrário da série Jimmy Corringan que se centrava num protagonista masculino) e as de uma pequena abelha de nome Brandelle. Os temas e os interesses de Ware não mudaram muito: as relações humanas, os anseios e as desilusões de pessoas banais, a arquitectura e os espaços de habitação, a vida urbana nos EUA. Mas desta vez, o leitor tem a possibilidade de explorar materialmente a narrativa e os seus fragmentos, de inventar outras leituras, de construir e desconstruir as histórias. E, nesse processo, de rever e questionar a sua relação com a arte da banda desenhada.

A recepção de Building Stories na Europa e nos EUA tem sido globalmente positiva e entusiasta, motivando pequenos ensaios sobre a memória, a arquitectura modernista, o desenho, o corpo feminino ou a narrativa (por exemplo, na revista on-line The Comics Journal). E abundam as comparações e as analogias: há quem recorde livros com formatos semelhantes (as obras literárias The Unfortunates de B.S. Johnson, e Composition No. 1, de Marc Saporta), quem evoque A Vida Modo de Usar, de Georges Perec, ou as caixas de Joseph Cornell. Uma coisa é certa, pelo modo como explora as possibilidades narrativas, gráfica e conceptuais da banda desenhada Building Stories é já um marco na expansão dos limites da arte que nasceu nos finais do século XIX. Vê-lo nas livrarias portuguesas, com ou sem edição nacional, seria uma bela prenda de Natal.

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