Um presente de anos de Júlia Buisel para Manoel de Oliveira

Script-girl do realizador que faz hoje 104 anos apresenta quarta-feira, em Guimarães, as suas memórias profissionais e cinéfilas. O livro chama-se Antes que me Esqueça.

Foto
Manoel de Oliveira e Júlia Buisel na rodagem de Cristóvão Colombro DR

A publicação em causa, Antes que me Esqueça, é uma edição conjunta da associação Il Sorpasso e da Capital Europeia da Cultura, e a apresentação terá lugar nesta cidade, no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA), às 18h30. Estarão presentes a autora e João Lopes, crítico e programador da área do Cinema e Audiovisual de Guimarães 2012, e, se a saúde o permitir, o realizador de Francisca, o filme de 1981 que assinalou o início da colaboração de Júlia Buisel com Oliveira, que desde essa data tem sido a script-girl regular e, algumas vezes, também actriz dos seus filmes, até à longa-metragem mais recente, O Gebo e a Sombra (2012).

Antes que me Esqueça é o registo das memórias profissionais e cinéfilas de Júlia Buisel, por onde passam também os nomes de outras figuras do cinema português, como Fernando Lopes (fez uma pequena aparição em Belarmino, de 1964), Paulo Rocha (com quem esteve para ser a protagonista de Verdes Anos, depois substituída por Isabel Ruth), Artur Ramos (com quem efectivamente se estreou no cinema, com Pássaro de Asas Cortadas, de 1963), ou os actores Leonor Silveira e Luís Miguel Cintra (autor do prefácio do livro). E também figuras do cinema mundial, como Catherine Deneuve, Michel Piccoli ou John Malkovich, com quem trabalhou em rodagens de outros filmes de Oliveira, desde O Convento (1995).

Uma carta inesperada
A sessão de lançamento em Guimarães é também apresentada por Júlia Buisel (e assumida pela Capital Europeia da Cultura) como uma homenagem aos 104 anos de Manoel de Oliveira, de quem Antes que me Esqueça revela – como posfácio – uma carta endereçada pelo realizador à sua script-girl, em Fevereiro de 1993, quando se ocupava, em Paris, da montagem do filme Vale Abraão. “(...) e isso me faz sofrer, por vezes, mais ainda porque tenho dentro de mim uma alma rebelde e solitária como a de um animal. Mas um animal excessivamente sensível. Mas é isto que me liga ao cinema que é o meu grito de desespero não sei bem de quê. Hoje, para mim, sofrer é estar com Deus. O sofrimento é a única voz que dele chega até mim”, escreveu Manoel de Oliveira a Júlia Buisel, numa inesperada confissão dos seus sentimentos mais íntimos – com “uma dimensão de humildade e rigor invulgares”, nota Júlia Buisel ao PÚBLICO –, num momento de grande fulgor criativo e reconhecimento internacional, que a distribuição do filme Vale Abraão viria depois ampliar ainda mais.

Sobre a relação de trabalho de mais de três décadas com Manoel de Oliveira, Júlia Buisel reconheceu ao PÚBLICO (ver edição do passado dia 6 de Maio) que ela tem sido o centro da sua própria vida cinematográfica. “É como se ele fosse a própria história da história do cinema. Vem tudo misturar-se num filme de Oliveira, parece que tudo converge nele e diverge dele”.

Apesar de se encontrar ainda em convalescença, aos 104 anos, Manoel de Oliveira continua a projectar o seu trabalho futuro, num ano em que já assistiu às estreias e difusão internacional da longa-metragem O Gebo e a Sombra e da curta O Conquistador Conquistado, que integra a obra colectiva produzida por Guimarães 2012, Centro Histórico (associado a Pedro Costa, Aki Karismaki e Victor Erice). A adaptação de contos do escritor brasileiro Machado de Assis, em A Igreja do Diabo, e O Velho do Restelo, inspirado em textos de Camões, Cervantes e Pascoaes são os novos projectos na mesa-de-cabeceira do realizador.

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