Mudanças no 1.º ciclo e ensino superior ajudam a cortar na educação
Não se sabe ainda qual vai ser a dimensão dos novos cortes adicionais de despesa na educação, mas o que já parece ser certo é que muita da nova poupança do Estado irá ser feita à custa deste sector.
O redimensionamento dos complementos educativos no ensino obrigatório e da rede de instituições do ensino superior são dois caminhos possíveis para cortar custos do Estado na educação, indicou ao PÚBLICO o deputado do CDS Michael Seufert. Nos últimos dois anos os cortes na educação já somam mais de mil milhões de euros. Até Fevereiro o Governo vai apresentar uma proposta de cortes adicionais na despesa pública no valor de quatro mil milhões de euros.
Não se sabe ainda qual será a contribuição da educação para esta megapoupança, mas PSD e CDS assumem que este é um dos sectores-chave por onde passará o corte nas despesas. Para o deputado do PSD Emídio Guerreiro, que optou por responder com uma declaração geral às questões do PÚBLICO sobre cenários de cortes na despesa, o debate e a decisão sobre a gestão dos recursos financeiros do país, que "a maioria parlamentar e o Governo consideram fundamental", só pode ser "conclusivo" se não for feito de "forma parcial". Quer isto dizer, acrescenta, que, como "bem diz a teoria de gestalt, o todo é mais do que a soma das partes, e assim sendo a educação deve ser incluída neste processo e não ter um "tratamento" diferenciado das restantes áreas fundamentais que constituem o Estado Social", para o qual, lembra, vai a maioria dos impostos pagos pelos portugueses. Para a educação, segundo dados do Governo, vão 13,5%.
No final de Novembro, em entrevista à TVI, o primeiro-ministro sugeriu que existe na Constituição uma maior margem de manobra na educação do que na saúde para se avançar com um modelo de financiamento "mais repartido" entre cidadãos e Estado. Passos esclareceu dias depois que a gratuitidade do ensino obrigatório, que agora vai até aos 18 anos, não está em causa.
Excluir o pagamento de propinas no ensino obrigatório, como impõe a Constituição e também legislação já aprovada por este Governo, não significa, contudo, que o corte adicional na despesa não se fará também por aqui. Seufert aponta um exemplo: "No ensino obrigatório há ofertas, como a do programa Escola a Tempo Inteiro, que podem ser redimensionadas". Este programa, lançado em 2006 pelo Governo de José Sócrates, teve como objectivo garantir que as escolas do 1.º ciclo estejam abertas até às 17h30, quando antes muitas fechavam pela hora do almoço. Para o conseguir foram criadas as Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), que incluem obrigatoriamente o apoio ao estudo e o ensino de Inglês e que actualmente são oferecidas gratuitamente em mais de 99% das 4188 escolas.
Muitas destas actividades são garantidas por professores que não estão no quadro e são contratados para o efeito. É aqui que Seufert diz que se poderá poupar, redimensionando a oferta existente, de modo a que esta possa ser "garantida pelos quadros das escolas e do ministério de forma a minimizar ao máximo os horários zero e os professores que não dão aulas". Em 2013 as AEC custarão ao Estado 230 milhões de euros, menos de metade do que custaram no ano lectivo de 2009/2010.
Repensar oferta no superior
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2010/2011 os encargos com a educação representaram 2,2% do total das despesas dos agregados familiares, um valor superior ao 1,1% de média registado na União Europeia (UE). Esta diferença confirma que os apoios do Estado aos estudantes e suas famílias são menores em Portugal do que é regra na UE, nomeadamente no que respeita aos alunos do superior.
Nesta situação é possível aumentar as propinas no superior, como já foi sugerido por investigadores e economistas? "Desconheço qualquer vontade do Governo nesse sentido", comenta Seufert. Mas é no superior que o deputado centrista vê também outras hipóteses de cortar na despesas. Como? "É necessário repensar a oferta de cursos e a rede de instituições para se evitarem redundâncias de serviços e ofertas educativas".
O Ministério da Educação e Ciência escusou-se a adiantar qual o montante do corte que incidirá sobre o sector, ou onde irá cortar. Seja o que vier aí, a experiência internacional tem mostrado que mexer na educação em tempos de crise pode ser uma experiência de risco. O sociólogo Pedro Abrantes confirma: "Em alguns países que passaram por crises profundas, como a Argentina, o abandono escolar voltou a aumentar entre as classes sociais mais pobres". "Esse cenário pode ocorrer em Portugal, sobretudo no nível superior, e isso seria muto grave", até porque continuamos não só a ter um dos mais baixos índices de escolarização da UE, como uma das maiores proporções dos que continuam a abandonar a escola sem concluir o ensino secundário. "Nesta conjuntura, é importante os governantes não esquecerem que a educação é, além de um direito humano, um alicerce fundamental da coesão social e da recuperação económica."
As escolas "são as instituições sociais que mais de perto lidam com os problemas e as carências das crianças e jovens, que nelas encontram algum equilíbrio para a instabilidade emocional e material em que caíram muitas famílias e grande parte do país", diz Paulo Guinote, professor do 2.º ciclo e autor do blogue A Educação do Meu Umbigo. Por isso, não tem dúvidas que mais cortes na educação terão "impactos sociais enormes". Diz que já "é desesperante ver como muitos miúdos se vão apercebendo que os nossos governantes os consideram e às suas famílias um encargo a reduzir ou eliminar" e que "é real a sensação de desorientação e ausência de perspectivas que muitos alunos demonstram cada vez mais nas escolas".