“Sou o último presidente da CP tal como a conhecemos”
Em 2012 a empresa espera nova redução dos prejuízos, graças sobretudo às rescisões de contratos e à supressão dos serviços regionais.
O final do seu mandato tem sido caracterizado por um braço-de-ferro com os maquinistas. Que conselho daria ao seu sucessor para resolver este diferendo?
Não há braço de ferro nenhum entre a administração e os maquinistas, nem com qualquer outro grupo profissional da empresa! A contestação sindical é contra as imposições do OE e as recentes alterações do Código do Trabalho, que conduziram a uma muito significativa redução do rendimento dos trabalhadores. E nenhuma administração está em condições de conceder na aplicação da lei porque, mesmo que estas queiram, o OE proíbe as empresas do sector empresarial do Estado de melhorarem a retribuição paga aos trabalhadores. Ora sem haver nada para dar em troca, não estou a ver que haja condições para uma negociação séria dessa matéria com os sindicatos.
Quais os resultados operacionais da CP para 2013?
Temos uma estimativa de prejuízos operacionais de 33 milhões de euros, o que é uma melhora em relação ao ano passado, em que tivemos um prejuízo de 45 milhões, e a 2010 cujo prejuízo foi de 74 milhões.
O que mais contribuiu para essa redução?
Foi sobretudo os custos com o pessoal, que eram 115 milhões em 2010, passaram para 94 em 2011 e que este ano serão de 82 milhões de euros. E também a supressão de alguns serviços não rentáveis.
Para cumprir os critérios definidos pelo governo ainda vão ter que despedir 400 pessoas este ano?
Ainda temos para dispensar 400 pessoas. Mas o problema é como dispensá-las. A intenção é fazê-lo através das rescisões com mútuo acordo para que as pessoas tenham acesso ao subsídio de desemprego, que é fundamental para se aceitar uma rescisão. Mas temos um contingente de 80 contratos por triénio. Se não for possível aumentar esse contingente, não será possível atingir o resultado.
O investimento em 2013 vai ser de zero euros?
Não. Mas é certo que em 2012 já foi baixinho. Nós estamos a investir exclusivamente na manutenção do material circulante.
Mas a manutenção não é despesa corrente?
Como são grandes reparações, são levadas a balanço à conta de investimento. Do investimento de 21 milhões de euros deste ano, 17 milhões foi para a manutenção de material circulante.
Quer dizer que, como não há dinheiro para comboios novos, a estratégia é pegar nos que têm e aguentá-los, prolongando-lhes o período de vida?
Sim. E isso é feito com muitas dificuldades, nomeadamente na linha de Cascais onde o material já está muito velho. A segurança está garantida e as condições mínimas de conforto também. Mas temos um problema de disponibilidade de material porque o período de imobilização em oficina é longo e nós não temos outro material para o substituir. Repare que o material da linha de Cascais é alimentado electricamente a uma voltagem que o resto da rede ferroviária não tem e, portanto, é o que temos.
Isso implica que vão alterar os horários e reduzir a oferta?
Não necessariamente. Temos conseguido manter o serviço, mas com dificuldade.
Qual é a solução para a linha de Cascais?
A solução é ter que investir. Não é possível continuar a manter a linha de Cascais sem investimento.
Mas não havendo dinheiro...?
É aguentar. Ou então encontrar um investidor.
Esse investidor pode ser encontrado no âmbito de uma concessão a privados?
Esse é um dos vários modelos que foi considerado num estudo que foi feito e apresentado por nós à tutela.
E tendo em conta o paradigma neoliberal vigente é uma solução expectável?
É sobretudo uma solução prática. O Estado não tem dinheiro e se houver quem o tenha, isso pode ser uma alternativa.
E isso poderia ser englobado no mesmo pacote da concessão a uma mesma empresa dos suburbanos de Lisboa?
Não porque ao nível da CP Lisboa há situações diferentes. A linha de Cascais é a mais sui generis, mas temos as linhas de Sintra, Azambuja e Barreiro-Setúbal onde não há problemas de obsoletismo do material circulante, nem de infra-estrutura, nem de alimentação eléctrica. Por isso, quem se candidatar à exploração dos suburbanos excepto Cascais poderá fazê-lo sem as necessidades nem as eventuais imposições de investimento que seriam exigidas a uma candidatura para aquela linha.
É provável, então, que venha a haver dois concessionários para a CP Lisboa? Um para Cascais e outro para as restantes?
É um dos modelos possíveis.
De que forma é que a CP tem sido chamada a participar neste processo das concessões de Lisboa e Porto?
A CP foi mandatada, não pelo governo, mas pela Assembleia da República, para fazer um estudo sobre esta situação. Fê-lo e entregou-o em devido tempo ao governo. É, por isso, matéria que está nas mãos do governo.
Desde quando?
Desde meados de 2011.
Quer dizer que desde há um ano e meio que a CP não participa neste processo?
A CP desde então não voltou a ser consultada nem interpelada sobre essa matéria.
Porquê?
Não sei. O accionista [Estado] ou tem confiança na administração da empresa ou não tem. O que não pode é avançar com um processo desses à revelia e à margem da administração da empresa porque é com ela que as coisas têm de ser feitas. Só sei desse processo pelo que vem nos jornais.
E quanto à privatização da CP Carga?
A CP tem conhecimento pelos jornais que o governo pretende alienar o capital da CP Carga. Mas quanto à forma, prazos e condições, desconheço quais as intenções do governo.
Mas haverá quem queira comprar a CP Carga?
Eu próprio já fiz algumas diligências para auscultar eventuais interesses, nacionais e internacionais, para a aquisição da CP Carga. E tenho encontrado algumas manifestações de interesse. Mas não vou divulgar quem.
Qual a estratégia para as outras participadas da CP, nomeadamente a EMEF e a Fernave?
A EMEF é uma empresa instrumental absolutamente necessária para o funcionamento do caminho-de-ferro em Portugal. O seu futuro está fortemente dependente daquilo que vier a acontecer em termos de concessões ou subconcessões de serviços da CP.
Se forem concessionadas a CP Lisboa e a CP Porto não haverá obrigatoriedade de ser a EMEF a assegurar a manutenção?
Nos modelos de concessão possíveis que apresentamos ao governo é chamada a atenção para isso.
E em relação à Fernave?
É uma empresa absolutamente necessária para a formação e a certificação ferroviária. Trata-se de uma empresa especializada no domínio ferroviário e não há no mercado alternativas. Aliás a Fernave hoje já tem clientes externos garantindo uma boa parte da facturação, nomeadamente em Angola e Moçambique. Muitas vezes acontece em Portugal que aquilo que nós achamos que não vale nada ou não presta, acaba por ser valorizado lá fora. Eu considero um erro a internalização desta formação nas empresas. Não fica mais barato, apenas os custos ficam escondidos.
Vai ser em 2013 que os clientes da CP vão poder ligar-se à Internet durante as viagens de comboio e falar sem interrupções ao telemóvel?
Espero que sim. A CP é uma empresa com alguma inércia e medidas e vontades de introduzir melhoramentos demoram algum tempo, mas eu espero que em 2013 essas melhorias sejam uma realidade.
Mas só para Alfas e Intercidades?
Sim.
O serviço Regional vai continuar a ser o parente pobre da CP?
Não é um parente pobre nem rico. É um serviço da CP que é prestado da mesma maneira que os outros. O problema do Regional está muito mais na escassez da procura do que numa vontade expressa da CP em reduzi-lo ou suprimi-lo. Aliás, o grosso de serviços que havia a suprimir no Regional já foram suprimidos. Isso é um problema resolvido e até está reflectido na melhoria do resultado operacional da empresa.
No limite bastava acabar com o Regional para as contas da CP darem um passo de gigante...
O Regional perde-se dinheiro, é certo, mas também existe a prestação de um serviço público pelo qual o Estado deve dar indemnizações compensatórias. Nos transportes suburbanos, por contrapartida da imposição tarifária, no Regional para colmatar a falta de rentabilidade devido à insuficiência de procura.
Não existe um contrato de serviço público entre a CP e o Estado?
Não. Existiu um primeiro contrato em 2010, mas que ele próprio previa a sua revisão em 2011. Essa revisão foi proposta pela empresa, mas ainda não houve nenhum resposta do governo sobre essa matéria.
Então o que é que define o nível de serviço que a CP presta nos regionais e nos suburbanos? É a tradição?
É a oferta habitual da CP. Não houve um processo negocial com o Estado que indicasse padrões mínimos ao nível dos horários e da frequência dos serviços.
Em relação à taxa de uso [portagem ferroviária paga à Refer], em que medida o seu aumento em 2012 afectou as vossas contas?
Os custos com a infra-estrutura passaram de 47 para 59 milhões de euros! Esse aumento absorveu mais do que aquilo que a CP ganhou com o aumento do tarifário. Se tivéssemos tido em 2012 uma procura estável, só o aumento do tarifário teria proporcionado um aumento de receitas na ordem dos 20%. Teria resolvido todos os problemas operacionais da empresa. Só que o aumento da receita foi mínimo, o que significa que o aumento do preço foi absorvido pela redução da procura.
Quer dizer que se não fosse o aumento da taxa de uso, a CP estaria este ano com resultados operacionais positivos?
(risos) Pois estaria...
E vale a pena pagar taxa de uso? O que poderia a Refer fazer na rede ferroviária para vos ajudar em termos de operação?
Para nós o essencial era que reduzissem os afrouxamentos existentes na rede e que limitam a velocidade comercial dos comboios. Também seria bom que fossem mais longe na electrificação da rede ferroviária.
Em que linhas?
O governo já se comprometeu a electrificar o Caíde-Marco, o que para nós é muito interessante porque nos permite chegar com os suburbanos do Porto até ao Marco, eliminando assim o transbordo em Caíde. Depois, eu daria alguma prioridade a que se estudasse a electrificação do Oeste e do Algarve. A linha do Minho já está a ser estudada no âmbito de um acordo internacional com a Espanha. Mas é claro que também gostaria que a electrificação na linha do Douro fosse mais longe, até à Régua.
O material circulante da CP vai envelhecendo e não há perspectivas de se comprar comboios novos...
A empresa não tem dinheiro. E está impedida de se endividar para além de um certo montante que, ainda por cima, é logo ultrapassado pelo aumento do que paga em juros. O crescimento dos juros é superior ao aumento da capacidade de endividamento. Por isso, não pode financiar-se para investir. Mas eu também me pergunto a mim mesmo: investir para quê e no âmbito de que plano estratégico?
Isso é função do gestor.
Mas hoje em dia já não sou gestor. Sou administrador. Com as recentes alterações legislativas, o gestor não pode endividar-se, não pode investir, não pode contratar pessoal, não pode dar incentivos nem pode negociar as condições a dar aos trabalhadores. E se não há contrapartidas, não há negociação. Há imposição. O que é que lhe resta ao gestor para gerir? Nada. Para administrar, sim. Para gerir não.
Mas como é que a CP vai viver sem comboios dentro de algum tempo?
O problema do material circulante é basicamente na linha de Cascais. Fora disso até temos excesso de material.
Como assim? Basta olhar para a linha do Oeste e ver o material circulante obsoleto que lá anda.
Bem, temos material a diesel a menos e materia eléctrico a mais. Daí a necessidade de electrificação das linhas.
O que vão fazer do material circulante que foi recuperado para a Argentina e que depois foi abandonado pelo comprador?
Nós já oficializamos os argentinos que houve abandono do material e que, portanto, vamos dispor dele. É difícil uma reutilização desse material ao serviço da CP porque há algumas limitações que não nos permite ajustá-lo às nossas necessidades. Não sabemos o que vamos fazer.
A revisão da meia vida dos pendulares vai avançar?
Sim. Era para ser feita aos dez anos de idade e eles já vão a caminho dos 12. O plano de investimentos para 2013 já contempla isso e vai durar até 2015.
O que é que os clientes da CP podem esperar da empresa nos próximos anos em termos de serviço?
Para os próximos anos de que empresa? O que vai ser a CP nos próximos anos? Uma coisa é certa: Portugal não pode dispensar o transporte por caminho-de-ferro. Agora o grande ponto de interrogação é quais as formas organizativas do ponto de vista empresarial para gerir esse caminho-de-ferro.
Com as concessões a privados, no futuro a CP poderá ser uma pequena parte do que é hoje?
Se olharmos para as vendas da CP, verificamos que ao fazer a subconcessão de Lisboa e Porto, nós estamos a dispensar praticamente metade da receita total da CP.
A CP do futuro será então meia CP, apenas com os Regionais e o Longo Curso?
Não será a CP tal como ela hoje é concebida, mas sim uma companhia de transporte ferroviário de médio e longo curso.
Nesse caso é o último presidente da CP tal como a conhecemos?
Nunca se sabe quem é o último, mas penso que sim.