A fotografia pode ser uma arma pela natureza
João Nunes da Silva, um dos fundadores da Quercus, fala sobre 22 anos de fotojornalismo da natureza.
João Nunes da Silva lembra o episódio com um sorriso. Passaram muitos anos, o rolo acabou e agora há máquinas que avisam quando o cartão de memória fica esquecido em casa. Esse problema não se repete (mas há outros que persistem, já lá vamos).
A máquina de João Nunes da Silva é uma arma pela natureza, um contributo pela conservação das espécies. Porque, para ele, ser fotojornalista da natureza também é isso: "Uma forma de activismo."
Foi ainda em adolescente, quando fazia parte de um grupo de pessoas que observava aves, que percebeu que queria fazer mais pelas espécies. E fez: foi um dos fundadores da Quercus, envolveu-se em vários projectos de conservação das espécies, fez da máquina fotográfica companheira fiel do trabalho de campo.
Coleccionar espécies
"Isso permitiu-me coleccionar uma série de imagens, de várias espécies." A ideia de que existia em Portugal alguém que tinha imagens de natureza começou a colar. E João Nunes da Silva foi sendo solicitado.
Criou um banco de imagens da natureza, a Ilustranatur, é colaborador da National Geographic em Portugal, faz tours e workshops fotográficos desde 2005, tem livros publicados – o último é Fotografar Natureza em Portugal e Espanha.
Foi um longo caminho até chegar aqui. Vinte e dois anos de fotojornalismo são muitas fotografias, são muitas viagens (agora menos, "por questões económicas"), dentro e fora do país, são inúmeras lições e outros tantos contratempos.
Requisito fundamental para a profissão: paciência. "Fotografar natureza não é 100% garantido, às vezes as coisas falham." Aconteceu-lhe num dia gelado, em Lisboa, numa altura em que estava a fazer um trabalho sobre o estuário do Tejo e queria fotografar alfaiates com a maré baixa. Tudo montado, um barco como apoio e esperar pelo momento perfeito. Ele chegou.
"Na altura em que os alfaiates estavam optimamente posicionados para os fotografar, fui disparar, e a bateria estava gasta." Plano B: a bateria extra, sempre à mão. Problema número dois: "Tinha-me esquecido [das baterias] noutra mochila, dentro do carro. O momento passou à história", lembra.
Conhecer os habitats
Um fotógrafo de natureza não pode ser um fotógrafo de moda ou de guerra. O que os define é diferente. As exigências também: "Temos de saber o que vamos fazer e o que vamos fotografar. Não posso ir para um campo fotografar flamingos sem saber qual é o comportamento de um flamingo, qual é a altura em que cá estão, qual é a melhor aproximação para os fotografar."
Mas há mais: uma boa imagem de natureza pode não ser o mesmo que uma boa imagem de outra área. "Convém ser uma imagem diferente, convém que não seja um bilhete postal do animal, o cromo."
Para o conseguir são precisas muitas horas, muitos dias, às vezes meses. Para ver coisas que mais ninguém vê.
Há tempos, João Silva investiu sete meses num trabalho sobre o peneireiro- cinzento, uma espécie pouco comum. Num dos dias, depois de muitas horas de trabalho, João começou a arrumar o material no carro para ir embora. "Já tinha arrumado tudo quando o vi peneirar; ficou ali durante dez minutos." Tinha de fotografar. Mas, ao fim do dia, a 600 milímetros com telecompressor que o fotojornalista de 48 anos queria usar dificilmente funcionava sem tripé.
"Não tinha tempo. Apoiei a lente em cima do tejadilho do carro e fotografei. Quando editei as imagens, vi que algumas tinham ficado espectaculares". Foi uma "imagem de sorte", admite, mas também de muita persistência.
E tudo vale a pena – as horas de acampamento, o estudo antes de ir para o terreno, o "disfarce" vestido – quando alguém aprende alguma coisa com o trabalho dele. "Já tive vários comentários de pessoas que se mostraram surpreendidas e disseram que não sabiam que existiam determinadas espécies [em Portugal]."