Deputados egípcios vão apresentar nova Constituição ao Presidente
A nova lei fundamental do Egipto foi aprovada pela maioria islamista na Assembleia Constituinte. O Presidente, que falou ao povo na televisão, deve convocar um referendo para os próximos 15 dias.
"Acabámos os trabalhos sobre a Constituição do Egipto. Vamos falar com o Presidente hoje [sexta-feira], a uma hora razoável, para o informar de que a assembleia concluiu a sua tarefa e que o projecto da Constituição está terminado", anunciou o presidente da Assembleia Constituinte, Hossam el-Gheriyani, no final da votação dos 234 artigos, que começou na quinta-feira à tarde e se prolongou por 19 horas.
"Esta Constituição é revolucionária", afirmou ainda Gheriyani, antes de apelar aos deputados a que iniciem uma campanha em todo o país para "explicar" o documento aos egípcios.
Apesar de a futura Constituição incluir inegáveis avanços em relação à era Mubarak – como a limitação dos mandatos presidenciais a oito anos –, o processo de discussão e aprovação pela Assembleia Constituinte ficou marcado pelo decreto aprovado pelo Presidente Mohamed Morsi na semana passada, que determina a impossibilidade de os tribunais se oporem às decisões presidenciais e dá a garantia de que a Assembleia Constituinte não será dissolvida até à entrada em vigor da nova Constituição.
Para tentar acalmar o clima de tensão nas ruas e nos tribunais, Morsi falou ao país na noite de quinta-feira e afirmou que "não há espaço para a ditadura" no Egipto. O Presidente reafirmou que o polémico decreto foi aprovado para fazer face a "uma fase excepcional" do país e que "será revogado assim que o povo vote a Constituição".
Críticos chamam a Morsi "o novo faraó"
Mas a oposição e grande parte da população duvidam das intenções de Morsi. "As garantias do Presidente não dizem nada, porque o que ele está a fazer é tornar-se faraó num dia e no dia seguinte diz que não abusará dos seus poderes", disse Salah Mustafa, um advogado de 35 anos que ajudou a derrubar Mubarak na Praça Tahrir no início de 2011. "Votei em Morsi, mas ele tem agido como um representante da Irmandade Muçulmana no palácio presidencial – e não como o Presidente de todos os egípcios", lamentou, ouvido pela BBC.
É um sentimento que atravessa toda a oposição ao primeiro Presidente democraticamente eleito – e primeiro Presidente islamista – do Egipto. Depois da aprovação do polémico decreto constitucional, todas as suas vitórias políticas, como a luta de poder com a hierarquia militar e a moderação do mais recente conflito entre Israel e o Hamas, passaram para segundo plano.
Morsi afirma que os seus novos poderes têm como objectivo "proteger a revolução" que derrubou Mubarak, mas os juízes consideram que o decreto constitui "um ataque sem precedentes à independência da magistratura e dos tribunais".
Esta divisão levou às ruas centenas de milhares de pessoas em várias cidades na última semana e marcou o regresso dos acampamentos à Praça Tahrir. Os apoiantes de Morsi também estão activos: para este sábado está marcada uma manifestação convocada pela Irmandade Muçulmana, mas, ao contrário do que tinha sido inicialmente anunciado, não terá lugar na Praça Tahrir, devido à presença de opositores no local.
Referendo pode “agravar as tensões”
Alguns analistas questionam também a legitimidade de um referendo à Constituição numa época de forte contestação nas ruas e nos tribunais contra o polémico decreto de Morsi. "As forças seculares, as Igrejas [ortodoxa copta, católica e anglicana] e os juízes não estão contentes com a Constituição; os jornalistas não estão contentes, por isso acho que isto [o referendo] vai agravar as tensões no país", considera Mustapha Kamal al-Sayid, professor de Ciência Política na Universidade do Cairo.
Para além disso, o rascunho final da futura Constituição aprovado nas últimas horas pelos deputados – a maioria islamistas da Irmandade Muçulmana e radicais salafistas – mantém duas das premissas mais contestadas pela oposição secular e liberal ao Presidente Morsi: os princípios da lei islâmica são a principal fonte da legislação e a Universidade de Al-Azhar será consultada "nas questões relacionadas com a sharia".
"Há alguns artigos positivos, mas também há artigos catastróficos, como um que tem como objectivo punir os insultos. Isto pode ser usado contra os jornalistas que criticam o Presidente", disse à agência Reuters o activista dos direitos humanos Gamal Eid.
Os deputados tinham até Janeiro de 2013 para concluir os trabalhos, mas a forte contestação ao decreto aprovado por Morsi na semana passada levou à antecipação do processo.