Nem os conselhos escapam aos cortes

E foi assim que de “estudem; porque um canudo é um passaporte para ter emprego” ficámos com “estudem; porque um canudo é um passaporte”

Foto
Tiago Leal

Lembro-me, quando era miúdo, de os meus pais me aconselharem a estudar, independentemente daquilo que eu quisesse ser quando fosse “grande”. E tinham bons argumentos para aquele conselho: “Olha que um canudo é um passaporte para ter um emprego, independência e dinheiro no bolso.”

Quando terminei o ensino secundário, também a dedicada directora de turma que tive quis dar um conselho à malta: “Vocês estudem, porque um canudo é um passaporte para ter um emprego e a vossa independência.” Quando ouvi aquilo, pareceu-me que ela se tinha esquecido de uma parte qualquer da frase, mas como a senhora usava uma cana para apontar para os acetatos que passava no retroprojector, achei melhor não questionar.

Anos mais tarde, já no ensino superior, um dos meus professores anunciou numa aula, com grande pompa e circunstância: “Vocês estão no sítio certo. Estudem, porque um canudo é um passaporte para ter emprego.” Algo começava a cheirar mal. Parecia que, à medida que o tempo ia passando, aquele conselho perdia o brilho. Mas bem, como o homem parecia estar certo do que estava a dizer resolvi seguir o conselho. Por isso e por ele ter o dobro do meu tamanho. Aquele não precisava lá de canas para se fazer entender. E a verdade é que, mesmo não tendo o brilho de outros tempos, era um óptimo conselho. E se ninguém lhe mexesse mais, estava óptimo.

Os anos foram passando e muitos jovens, como eu, foram tirando os seus cursos superiores e entrando na vida activa. Continuava-se a acreditar que “… um canudo é um passaporte para ter emprego.” Até que chegou a “crise” e o Governo começou a cortar. Primeiro nos subsídios. Depois nos salários e nas pensões. Nem os apoios sociais e os cuidados de saúde escaparam. Mas foi quando os cortes chegaram às reformas dos políticos que me preparei para o pior.

E assim foi. Em vez de pararem com os cortes ou de cortarem nos provérbios ou nas adivinhas, seguiram em frente e, sem dó nem piedade, cortaram nos conselhos. E, mesmo assim, podiam perfeitamente ter cortado no “coma fruta cinco vezes ao dia”, por exemplo. E ficava só “coma fruta cinco vezes.” A pessoa ficava a saber que tinha que comer fruta e sem a obrigação e a despesa de ter que o fazer cinvo vezes por dia. A mim dava-me imenso jeito.

Mas não foi nada disso que fizeram. Sem qualquer dó, cortaram no conselho que norteou a vida de tantos filhos e pais neste país. E foi assim que de “estudem; porque um canudo é um passaporte para ter emprego” ficámos com “estudem; porque um canudo é um passaporte.”

E agora que o mal está feito, o Governo podia ser coerente com aquilo que fez e ir até ao fim na sua política. Já que mexeu no conselho, devia mexer também nas Universidades e nos Centros de Emprego. As Universidades deveriam ser obrigadas a disponibilizar quais os destinos a que cada passaporte, perdão, cada canudo dá direito. Sim, porque senão há o risco de quem ouvir “estuda, porque um canudo é um passaporte” pensar que pode ir viajar para onde lhe apetece. Assim, teríamos “Enfermagem – Reino Unido” ou “Engenharia Mecânica – Alemanha”.

Mas se o objectivo do Governo é mesmo poupar dinheiro, o mais prático seria fundir os Centros de Emprego com a TAP. Assim, uma pessoa mal acabasse o curso, pegava no certificado e ia directamente para o aeroporto. No check in, a empregada passava o certificado no detector e informava o passageiro do seu destino.

Parece que já estou a ver o estilo: “Engenharia Civil? Ainda dizem que está mal! Tem Angola, Moçambique, Médio Oriente, Peru, Chile e até 2014 estamos com uma promoção para o Brasil! Está interessado? Chegue-se aqui para o lado enquanto pensa. Próóóóóóóóximo!”

Sugerir correcção
Comentar