Tiago emigrou para Angola e diz que já saiu tarde

Engenheiro civil, chegou a Luanda em Abril. Diz que está a "construir" o seu porto de abrigo em África. Não sabe quando vai regressar: "Portugal vai continuar a sangrar"

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Angola é uma economia efervescente — sente-se que há muito dinheiro e muito trabalho André P./Flickr

Engenheiro civil de formação, Tiago Guedes chegou em Abril passado a Luanda para fugir da crise económica em Portugal e a experiência, até agora bem sucedida, permite-lhe dizer que está a “construir” em África o seu porto de abrigo. Embora esta primeira experiência profissional fora de Portugal esteja a correr bem, Tiago lamenta ter sido “obrigado” a emigrar, porque a empresa em que trabalhava em Portugal entrou em insolvência e a estagnação no mercado de trabalho abriu-lhe as portas da emigração.

“Emigrei para combater o que se adivinha, e já saí tarde. Perante a estagnação do mercado de trabalho, mal tive uma oportunidade, optei por sair”, explica. Tiago Guedes diz ter saído de Portugal numa “perspectiva de curto prazo, de dois anos”, mas reconhece agora não saber quando vai regressar, porque, antecipa, “Portugal vai continuar a sangrar”. “Há problemas muito graves relacionados com a crise em Portugal e falta dinâmica na economia e qualidade no sistema judicial. Depois temos a crise de natalidade. Eu, por exemplo, tenho 32 anos e não penso ter filhos neste momento”, confessa, considerando que a saída contínua de jovens recém-formados é resultado da crise e acentua-a.

Os jovens como ele, formados e “muito bem treinados” dadas as caraterísticas positivas das universidades portuguesas, encaixam-se bem noutros mercados, considera. “Somos pessoas muito flexíveis, desenrascados e com uma componente de produção e eficácia muito boa, que permite encaixar em diferentes mercados, permitindo que pessoas com boas qualificações vão para fora e não voltem. Adaptam-se”, defende.

Com o aumento do desemprego, sobretudo entre os escalões etários mais jovens e o receio de que mais empresas fechem portas em Portugal, acumulando-se os salários em atraso, Tiago Guedes não antevê alternativas à emigração. “O desespero está instalado. As pessoas têm receio que as suas empresas possam fechar. Por exemplo, a empresa em que trabalhava em Portugal pediu insolvência. Eu tinha ordenados em atraso e vi-me com contas por pagar. (Emigrar) custou-me ao início, mas adaptei-me. Ganhei umas coisas e perdi outras, mas sobretudo ganhei mais tempo para mim.”

Economia "efervescente"

Apesar da distância, Tiago Guedes continua a acompanhar a realidade portuguesa, vendo diariamente os serviços de notícias que lhe chegam pela televisão de cabo e as saudades que se acumulam vai agora atenuá-las no Natal, porque não prescinde de rever os familiares mais chegados e os amigos. A adaptação de Tiago Guedes a Angola, país onde ainda vive o sogro, foi facilitada porque logrou fazer-se acompanhar da mulher, consultora com experiência de viagens de trabalho de curta duração ao continente africano. O vencimento que aufere também foi determinante, reflexo de uma economia que classifica como “efervescente”.

“É uma economia efervescente, sente-se que há muito dinheiro e muito trabalho. E a nível pessoal uma pessoa tem que se ajustar, porque se ficar bloqueada no medo, custa muito”, reconhece. Quanto ao futuro de Angola, Tiago, pelas conversas com o sogro e colegas de trabalho mais velhos, diz aperceber-se de que se trata de um país “que tem tudo para ser uma potência”. “As coisas estão a melhorar, há cada vez mais redes, há ainda o problema do saneamento básico e do abastecimento eléctrico e água, mas que vão sendo resolvidos com o desenrolar dos anos e com o muito dinheiro que há”, destaca.

Sete meses depois, como trabalhador emigrado, Tiago Guedes faz um balanço positivo e até já convenceu um amigo, da mesma área profissional, a mudar-se para Angola. “Já dei esse conselho a um ex-colega de trabalho. A empresa em que trabalhava estava a fechar, como a minha, e ele veio. As pessoas têm de fazer pela vida, seja para aqui, Brasil ou um país de leste”, conclui.

Artigo actualizado às 20h17