D. José I e o seu cavalo vão deixar de ser verdes até ao próximo Verão

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A limpeza da estátua está a ser feita apenas com água, sem recurso a químicos daniel rocha

Os trabalhos de restauro da estátua equestre do Terreiro do Paço começaram há quatro meses e só terminam em Agosto. No fim, e 490 mil euros depois, a estátua deverá ficar cinzento-escura

Lá de cima o Tejo parece ainda maior, mais aberto. Há 236 anos que D. José I tem aquela vista do rio. Agora, rodeado de andaimes, conta também com os técnicos de conservação que estão a estudar e restaurar a sua estátua equestre, uma criação do escultor Joaquim Machado de Castro, inaugurada no 61.º aniversário do rei (6 de Junho de 1775), quando a cidade estava ainda a ser reconstruída e o arco da Rua Augusta não existia. Da plataforma junto às patas do cavalo é hoje difícil imaginar um Terreiro do Paço sem os edifícios amarelos concluídos - para a festa de anos de D. José foi preciso construir uns a fingir, como num cenário de ópera.

O restauro da estátua, a obra mais importante daquele que é considerado o maior escultor português, começou em Agosto e deverá prolongar-se até ao Verão. António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, visitou ontem o estaleiro da Nova Conservação, a empresa que está a executar os trabalhos orçados em 490 mil euros e financiados pelo braço português da World Monument Fund (WMF), uma organização privada que se dedica à preservação do património.

De capacete e máquina fotográfica, o autarca percorreu as plataformas dos andaimes, atento a cada detalhe do conjunto. "A riqueza decorativa que a estátua tem demonstra bem a importância deste restauro", disse aos jornalistas, falando do projecto que vai tirar ao rei e ao seu cavalo a pátina verde que hoje têm como "uma das últimas obras" da Praça do Comércio. Depois de concluída, explicou, ficam a faltar as fachadas dos edifícios, a iluminação que dará à praça a leitura cénica que merece e a instalação de um elevador no Arco da Rua Augusta. O autarca quer que esta comece já no próximo ano.

Os trabalhos a cargo da WMF, entidade que já esteve envolvida no restauro de dois dos mais importantes monumentos portugueses, a Torre de Belém e o Mosteiro dos Jerónimos, fazem parte de um programa mais vasto dedicado ao escultor, que incluiu uma grande exposição no Museu Nacional de Arte Antiga e um colóquio internacional organizado pela Universidade Autónoma.

É José Ibérico Nogueira, coordenador do projecto pela WMF, quem explica os principais problemas de conservação da estátua, uma maravilha da técnica no século XVIII: 35 mil quilos de metal que levou 28 horas a derreter e apenas sete minutos e 53 segundos a verter para a forma (tudo curiosidades que se podem ler no tapume da obra). "A poluição do trânsito e a salinidade, com o rio aqui ao pé, foram corroendo os materiais e cobrindo a pedra e o metal de manchas, dando à estátua aquela coloração verde que a do Marquês [de Pombal] tinha antes do restauro", explica ao PÚBLICO, colocando muitas reservas à possibilidade de alguma vez ter sido dourada, hipótese recentemente levantada.

"As estátuas dos monarcas franceses eram muitas vezes folheadas a ouro, para manter o dourado, o que não aconteceu aqui", diz, acrescentando que o Terreiro do Paço era à data conhecido na Europa como a Praça do Cavalo Negro. Nuno Proença, o técnico da Nova Conservação que dirige a obra, diz que é ainda muito cedo para tirar conclusões quanto ao aspecto que a estátua teria. "O que podemos dizer, com base num relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil que já tem alguns anos e nos estudos que estamos a fazer, é que não é de bronze, como [o próprio] Machado de Castro escreve."

A estátua equestre do monarca, peça central da revitalização da cidade pós-terramoto, tem uma estrutura interna em ferro, com seis toneladas, e é feita em latão almirantado, "uma liga metálica composta por cobre, estanho e alumínio, muito usada nas embarcações", explica o coordenador de projecto da WMF. "Com tamanha concentração de estanho, dificilmente teria um aspecto dourado." Ibérico Nogueira diz que o mais provável é que fosse em cinzento-escuro, "muito semelhante ao que tem hoje a do marquês". E é a essa cor que deverá voltar em Agosto.

Até lá, muitos estudos e trabalhos estão ainda previstos. Antes do fim do mês, por exemplo, vai ser feita uma endoscopia ao cavalo, explica Proença: "Vamos introduzir-lhe uma sonda através de um buraco na barriga para avaliar a estrutura que, em princípio, não apresenta grandes problemas de estabilidade". Terá sido através desse furo que na anterior intervenção de limpeza (foi feita uma em 1926 e outra em 1983) foram retirados três mil litros de água que nela se tinham infiltrado.

Com o restauro e os estudos a ele ligados poderão acrescentar-se elementos à leitura do programa iconográfico desta obra de Machado de Castro. Por que insistiu ele em pôr uma coroa de louros sobre o elmo de D. José? Será uma pequena vingança por não o terem deixado vestir o rei como se fosse um imperador romano? Provavelmente nunca viremos a saber.

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