Tendo sido realizado em 1998, “A Barreira Invisível” está perigosamente próximo do presente de que eu pensava fugir, do galopante vazio de uma época de banalização, confusão e medo. Não parece, mas muito do que ainda somos hoje foi desenhado na Segunda Guerra Mundial, a mãe de todas as guerras do nosso tempo, mas também da vida do nosso tempo. E o que não foi, as guerras suas filhas se encarregaram, de então para cá, de modelar, utilizando a mesma massa de sangue suor e lágrimas de milhões para fazer o pão que só uns quantos, à mesa dos eleitos, poderão consumir, apreciando.
Havendo, por certo, muitas barreiras invisíveis a considerar em toda esta história, o título original – “The Thin Red LIne” – refere-se a uma manobra militar executada a 25 de Outubro de 1854, na Batalha de Balaclava, no decorrer da Guerra da Crimeia, por um regimento escocês, de farda vermelha, que rechaçou um ataque da teoricamente superior cavalaria russa. Ficou como sinónimo de resistência heróica a um inimigo esmagador, caçar com gato, fazer das tripas coração, enganar o destino.
Mas nós vamos até à ilha de Guadalcanal, no Pacífico, quando os americanos lá desembarcam em 1942-43, mas não para um filme de guerra, muito menos para um filme de aventuras passado em ambiente de guerra, mas um filme de paz, que advém da sua capacidade de distanciação do carrossel desumano de acção e morte, saltando para um outro tempo, comprimido, lento, criado pelas perguntas da personagem principal, o soldado Witt (James Caviezel), sobre o sentido da guerra, a força primordial da natureza e o lugar do homem nela. Nessa análise da fonte do bem e do mal, nesse lugar acima onde o tempo se desliga do pânico dos beligerantes, nesse lugar do pensamento, esse soldado mostra-nos coisas que normalmente não veríamos e meditações que não faríamos, acompanhadas por imagens das mais belas que foram filmadas, incluindo a fotogenia da luz de um fósforo ou da escuridão de uma placa de metal perfurada.
Mas quando cessam essas meditações, a brutalidade do jogo de guerra cai como uma bomba. À distanciação sucede uma proximidade que nos atira para o meio dos soldados e do teatro de guerra, sofrendo com eles a recepção aleatória e terrível das balas tracejantes, as explosões de artilharia, a ceifa de membros e vidas à medida que eles rmpem as ondas daquele mar de erva, impelidos por ordens e medos e vinganças e espírito de grupo, mas sobretudo pela ambição pessoal do tenente-coronel Gordon Tall (Nick Nolte), que ordena a conquista de uma posição-chave no alto da colina antes da hora do jantar.
O capitão Staros (Elias Koteas), ousando opor-se ao desprezo do vociferante tenente-coronel pela carne para canhão, é a nota de humanidade na selvajaria que logo é cortada rente pela instituição militar, que rola em esferas de poder pessoal e político, distribuindo medalhas não para premiar, mas para sacudir os pauzinhos na engrenagem para outras paragens.
Mas há ainda a chegada lá acima, a tomada do objectivo que deixou um rasto de mortos e estropiados “aceitável” para os chefes militares mas imperdoável para mulheres e filhos e pais. E a maior revelação talvez seja a de que aqueles desgraçados que conseguiram lá chegar, acima, ao objectivo, não encontraram monstros, mas apenas outros desgraçados como eles, descartáveis como eles por um sistema semelhante em que meia dúzia de ideólogos simplistas manda milhões sujar as mãos por eles, ocupados que estão a contar o dinheiro ou a salvar o dinheiro dos amigos que o têm em quantidades obscenas ou que são donos de empresas demasiado grandes para falir ou sequer para serem bombardeadas.
Mais arrasador do que isto só descobrir que a mulher que amávamos e que, de lá onde a tínhamos deixado, era o aço da muralha que nos mantinha vivos, afinal era um sonho, pois a sua porção real tinha desistido de esperar por uma ideia cada vez mais difusa de um homem, optando antes por refazer a sua vida com uma versão de carne e osso de um outro. Nem a guerra é pior do que isto.