Portugal teve 87 tornados registados em 80 anos
No Algarve, o ministro Miguel Macedo não se comprometeu com o apoio financeiro exigido pelo autarca de Silves
Portugal terá tido pelo menos 87 tornados nos últimos 80 anos, segundo uma base de dados europeia sobre eventos climáticos extremos. O número confirma que este tipo de ocorrência é baixo em Portugal, comparado com outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 1991 e 2010, há registo de 1253 tornados por ano, em média, segundo a agência norte-americana para a Atmosfera e o Oceano (NOAA, na sigla em inglês). Ou seja, num mês há mais tornados nos EUA do que houve em oito décadas em Portugal.
Calcular a frequência exacta de tornados num país ou numa região não é, no entanto, tarefa fácil. É difícil prever exactamente onde e quando ocorrerão. Além disso, são fenómenos muito localizados, que normalmente escapam à detecção das estações meteorológicas fixas.Os dados dependem, por isso, de testemunhos concretos. É em grande parte a partir destes relatos que uma base de dados europeia - a European Severe Weather Database, mantida por uma organização não-governamental alemã - regista 87 ocorrências em Portugal. Cinco testemunhos não foram alvo de qualquer tipo de confirmação; 65 são considerados plausíveis; nove foram confirmados; e oito eventos foram "totalmente confirmados".
O registo mais antigo é de 1936, em Ponte de Sôr. O mais recente é o desta sexta-feira, no Algarve, com treze feridos confirmados, e que já está na base de dados. O maior até agora registado ocorreu em Castelo Branco, no dia 6 de Novembro de 1954. Cinco pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas. Foi um tornado de categoria F3 - na escala de Fujita, que mede este tipo de fenómeno meteorológico. A escala baseia-se nos danos observados - numa filosofia semelhante à da escala de Mercalli, para os sismos. Vai de F0 (poucos danos) a F5 (danos impensáveis). O nível F3 aplica-se a um tornado "severo".
O Instituto de Meteorologia (IM) ainda não tinha, até sábado à hora do almoço, uma avaliação definitiva sobre o tornado do Algarve. As imagens parecem indicar que houve efectivamente uma tromba marinha - ou seja, um tornado sobre o mar, com o funil que desce da nuvem até à água. Há imagens também a sugerir que o tornado avançou sobre a terra. Mas uma avaliação definitiva ainda está por fazer.
A meteorologista Ângela Lourenço, do IM, explica que os tornados têm uma assinatura própria nos danos causados por onde passa. Na zona abrangida pelo funil, a pressão é muito baixa, provocando muitas vezes a pulverização dos materiais que encontra pela frente. Mas danos semelhantes aos dos tornados, como tectos arrancados e árvores derrubadas, podem ocorrer noutras situações meteorológicas. Em Outubro de 2011, o aeroporto de Faro foi afectado por um temporal, que fez cair parte da sua cobertura.
Nalgumas situações, diz Ângela Lourenço, os danos são causados por um fenómeno conhecido como "down burst" - um movimento repentino do ar de cima para baixo, que depois se espraia com grande velocidade no sentido horizontal.
Se ainda há dúvidas sobre o nome a dar ao fenómeno que anteontem varreu Silves e Lagoa, os estragos estão à vista, como ontem pôde verificar o ministro da Administração Interna. Miguel Macedo recusou-se no a falar de apoios concretos às vítimas do tornado. " Não me fale de dinheiro, não vale a pena estar a atirar valores para o ar, ao calha", afirmou o governante, quando confrontado com o pedido de ajuda de cinco milhões euros, solicitados pelo presidente da Câmara de Silves, Rogério Pinto, para fazer face aos danos causados nos equipamentos e espaço público.
Aos pedidos de auxílio da autarquia, Miguel Macedo respondeu que a situação exige "medidas transversais" ao nível da administração central, mas não se quis comprometer. Os apoios que existem, exemplificou, são os mesmos que foram definidos pela resolução dos conselhos de ministros, após o grande incêndio nos concelhos de Tavira e São Brás de Alportel, no verão passado. Para já, o trabalho que deve ser feito, disse, é definir "prioridades, e fazer o levantamento preciso das situações". O autarca de Silves, já declarou que município, por si só, não tem condições financeiras para resolver os problemas que surgiram de forma inesperada.
Após constatar os estragos causados em toda a baixa da cidade de Silves, a comitiva autárquica e ministerial deslocou-se ao edifício da Câmara, que perdeu o telhado do salão nobre. No final, Miguel Macedo reconheceu a violência da tempestade que assolou a região, mas ficou-se pela manifestação de solidariedade: "Não tenho nenhumas dúvidas, está à vista de todos", sublinhou. Em Lagoa, os estragos fizeram-se sentir com maior intensidade na nova zona residencial. A autarquia estima em 70 a 80 apartamentos danificados. Ontem, a EDP já tinha restabelecido o fornecimento de energia nas zonas afectadas.