50 anos de vida literária de V.G.M.
Há uns anos, vi Vasco Graça Moura, com o seu ar sério, em cima de um palco de um festival de poesia no Algarve, a declamar um dos seus poemas. Não era um poema qualquer. Chamava-se o poema Diana no banho e está publicado no livro Laocoonte, rimas várias, andamentos graves, de 2005. Não resisto a citá-lo na íntegra porque só assim se pode perceber o sentido de humor: "Via diana /pelo buraco/da fechadura./ era jacuzzi?// banho de espuma?/ estava nua,/brilhava flava,/ tinha o cabelo// puxado acima,/belas maminhas/ à tona de água,/olhos fechados// deliciada,/os pés nas bordas/ dos azulejos./e marulhava// de leve água,/num chape-chape /de mansa vaga,/como se a lua// mais perfumada/ali pousasse/na porcelana/enevoada.//logo se deu/por servo dela,/para cantá-la,/ensaboada,/ e se pudesse/ dar-lhe umas quecas/vezes sem conta,/fora da água.// logo por dentro/ os seus desejos/o devoraram,/ espreitador/ desprevenido,/ dos próprios cães/ inda comido./quanto a diana,// não deu por nada,/não o puniu,/não se vingou./ não precisava.//"
Nunca tive a fortuna de ver o Vasco Graça Moura a fazer um poema durante um jantar, como já aconteceu à poeta Maria do Rosário Pedreira (e ela assegura que o poema era bom). Também não sei se o poeta andou às voltas com esta Diana no banho meses ou se só lhe dedicou o tempo de uma viagem de avião. O que eu sei é que naquela noite de final de Verão, por causa do que me diverti a ouvir este poema, a minha relação com a sua obra mudou. E como neste ano se comemoram os 50 anos de vida literária do poeta, ficcionista, ensaísta e tradutor, todos os leitores têm a oportunidade de encontrar a sua Diana no banho. A editora Quetzal acaba de publicar a totalidade da sua poesia em dois volumes de Poesia Reunida. Cada volume tem cerca de 600 páginas e está lá tudo o que o poeta publicou entre 1963 e 2010, com excepção de Letras do fado vulgar e mais fados & companhia. Foi em 1962 que Vasco Graça Moura escreveu Modo mudando, o seu primeiro livro de poesia que foi publicado no ano seguinte. Como assinalou, em 1998, o crítico Luís Miguel Queirós, "escrevendo sobre a morte dos que amou ou sobre coisas tão triviais como o arranjo dos canteiros, há sempre, nos poemas de V.G.M., uma subtil intensidade, uma temperatura para cuja gradação estranhamente contribuem a elegância formal e a discreta ironia desta escrita". Parta então agora o leitor à descoberta de um dos grandes poetas da língua portuguesa. E, ó sorte, está vivo. Venham mais cinco (volumes).