A Alemanha e a integração europeia

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De há vinte anos para cá, os europeus procuram um modelo de ordenamento para a União Europeia, entre alternativas que oscilam entre uma Europa das soberanias nacionais e uma federação europeia, ambas inatingíveis, a primeira porque a interdependência entre as economias europeias já diluiu a soberania política, a segunda porque continua a ser um objectivo irrealista. No meio de debates angustiantes, a Alemanha, pelo peso económico e político no centro do continente, assume o papel decisivo não apenas na resolução da crise na zona euro como na futura configuração da União Europeia. Desde o Tratado de Maastricht, que criou a União Económica e Monetária, os líderes da Alemanha unificada reforçaram a integração europeia percorrendo o caminho de "bom aluno europeu" até às recentes acusações de criação de uma "Europa germânica". Uma crítica nem sempre justa.

Dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o diplomata norte-americano George Kennan afirmou que havia três opções para a Europa- podia ser dominada pela Rússia, podia ser dominada pela Alemanha ou podia ser uma federação. Sessenta e cinco anos depois, estamos perante uma articulação complexa que toca nas últimas duas opções: a Alemanha é a potência económica preponderante na União Europeia que domina as decisões através da projecção das suas preferências; mas não se afirma enquanto potência hegemónica, por não ser a potência ordenadora e legitimadora da ordem europeia do pós-Guerra Fria, por revelar relutância em exercer uma liderança correspondente a uma hegemonia benigna e por não gozar do reconhecimento desse papel pelos seus parceiros, que resistem em consentir-lhe esse estatuto.

O dilema da Alemanha hoje é que já não é suficiente argumentar que é a favor da integração europeia, como garantia contra uma eventual hegemonia germânica na Europa; Berlim hoje tem de convencer os seus parceiros de que a defesa dos interesses alemães não é incompatível com o aprofundamento da integração europeia, ao mesmo tempo que é acusada de apenas promover esse aprofundamento quando segue o modelo alemão. A crise económica e social da zona euro dos últimos três anos tem revelado como a psicologia e a confiança são importantes. É compreensível que os países que mais contribuem financeiramente para os resgates dos países devedores lhes exijam reformas estruturais e a redução do défice do Estado em troca da concessão de empréstimos e que Berlim exija essas contrapartidas em troca da sua disponibilidade para correr o risco de financiar os países endividados sem garantia de retribuição. Até porque a Alemanha percorreu ela própria uma fase de profundas reformas sociais na primeira metade da década de 2000, e fê-lo com sucesso. Mas o cálculo de colocar o ónus da recuperação económica sobre os países endividados, impondo-lhes medidas de austeridade, poupança e taxas de juro elevadas joga contra a necessidade da Alemanha preservar um sistema que lhe é benéfico. A pressão que Berlim mantém sobre os países endividados é em si parte da falta de confiança que a Alemanha tem na capacidade de reforma desses países. Se as medidas que o governo de Merkel propõe estão em parte correctas, seria vital que a Alemanha as veiculasse de uma forma mais consciente das sensibilidades políticas e sociais que estão em causa nos países endividados da Europa do Sul, cujas populações precisam de perspectivas de saída da crise.

O desafio é por isso como assegurar a recuperação da confiança e uma crescente convergência de políticas monetárias e económicas entre os países da zona euro no que se refere a custos laborais, despesas do Estado e papel do sector privado. Perante o reconhecimento de que a falência da união monetária provocaria o provável fim do projecto europeu, a Alemanha defende a criação de um pacto fiscal e de consolidação orçamental entre os estados membros da zona euro, e uma revisão dos tratados em prol de uma maior convergência económica, em áreas como a política laboral ou fiscal. No seu discurso perante o Parlamento Europeu, dias antes de vir a Lisboa, Merkel sublinhou que se trata de remediar os "erros fundacionais da união económica e monetária" e redefinir uma UEM renovada através de uma política comum para os mercados financeiros e a criação de uma instituição de supervisão bancária, uma política fiscal comum e a fiscalização institucionalizada de orçamentos nacionais, assim como o reforço de uma política económica comum. Por outras palavras, o "processo de aprofundamento da União Europeia é indispensável." Em resposta às críticas, a Alemanha propõe que as medidas sejam acompanhadas por um Pacto para o Crescimento e o Emprego.

Ou seja, uma Europa cada vez mais integrada a caminho de uma quase federação - de design económico alemão com o modelo de poupança e austeridade orçamental, mas que corresponderia também à aceitação das economias mais capazes de que o burden-sharing económico - a partilha de fardos - seria o preço aceitável a pagar para provar a afirmação de Merkel de que "o euro e a UE são indispensáveis para a Alemanha". As decisões políticas exigidas ao governo alemão em ano eleitoral são profundas e o debate político sobre o futuro modelo de convergência económica europeia apenas se iniciou. O projecto de integração europeia, que sempre avançou através do impulso alemão, é, na sua génese, anti-hegemónico, devendo impedir a emergência de um país preponderante dentro de uma União a caminho de uma maior integração política. Mas mesmo uma federação imperfeita precisa de um líder. A vinda de Merkel (e também da troika) a Lisboa, na passada segunda-feira, aconteceu no quadro de fortes protestos contra os sacrifícios sociais a que a população portuguesa se encontra submetida. Mas, perante a ausência de alternativa à União Europeia, a melhor opção para Portugal será a de aceitar mais e não menos integração europeia. Só assim a terceira opção proposta por Kennan pode continuar a ser a menos problemática para o futuro da Europa.

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