Alain de Botton: “Temos de descobrir a juventude e a velhice como categorias de trabalho”

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Botton é autor de um livro sobre o trabalho e está em Lisboa para uma conferência sobre a reforma Foto: Miguel Manso

Botton escreveu e tem reflectido sobre o trabalho – é autor do livro Alegrias e Tristezas do Trabalho, publicado pela Dom Quixote, onde faz uma reflexão acerca da importância das profissões para a nossa identidade. Foi convidado para ser um dos oradores da conferência "Inovar a Reforma", promovida pela Fidelidade Seguros, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, esta quarta-feira à tarde (esgotada), que parte de um estudo sobre o tema encomendado pela seguradora à Return on Ideas, empresa de consultoria em marketing estratégico liderada por Rui Dias Alves. Uma das conclusões principais da pesquisa é que os portugueses têm um índice de consciência para a reforma baixo (11,6, numa escala de 0 a 100) e só 33% poupa para isso, mesmo que 90% espere ter menores rendimentos nessa fase da vida.

Como nota o estudo, ao longo dos anos as alterações no sistema de pensões em Portugal têm gerado condições menos favoráveis para os reformados – tanto em relação à mudança da idade da reforma de 60 para 65 anos, como à diminuição das pensões. Apesar de ter sido encomendado por uma empresa que tem interesses nos produtos privados para a reforma, o estudo pretende alargar a discussão a mais do que a questão financeira, diz Rui Dias Alves. “Não queremos que seja um suporte para discussões de modelo de segurança social ou falência da segurança social. Quando falamos da reforma falamos de muito mais coisas do que preparação financeira, falamos de competências, de redes sociais e de saúde.” Daí o convite a Botton.

Quando o encontrámos de manhã, em Belém, o filósofo planeava falar de algumas ideias sobre como viver de forma mais sábia, sobre o conceito de sabedoria e sobre alguns dos desafios que os seres humanos hoje enfrentam no trabalho e nas relações. Centrámos a nossa conversa no Estado Social, na reforma e na velhice.

O trabalho é hoje um dos grandes problemas mundiais: não há empregos suficientes, há uma taxa de desemprego brutal. Por outro lado, as pessoas estão a reformar-se mais tarde, os apoios sociais para o desemprego e reformados diminuem. O que devemos reinventar, o Estado Social ou o mercado de trabalho?

Há duas coisas que é preciso inventar: como é trabalhar e como é não trabalhar? Há, de alguma forma, uma visão negativa dos dois. Por um lado, a ideia que se trabalha imenso, que não se gosta necessariamente daquilo que se faz mas tenta-se sobreviver, a ideia de uma espécie de escravatura moderna. E há a visão de não trabalhar como humilhante, sem qualquer estatuto, sem qualquer função na sociedade, de um ser humano completamente inútil, que de alguma forma deveria morrer porque não desempenha qualquer papel. Isto é muito pessimista e negro, não acho que tenha de ser assim. Somos uma sociedade muito focada no trabalho, a primeira coisa que alguém pergunta quando nos conhecemos é: ‘O que fazes?’ De acordo com a resposta é-se uma pessoa importante ou não. Isto é um dos desafios da reforma: como é que se leva as pessoas a pensar que não trabalhar não é o fim do ser humano e que há muitos lados dos seres humanos que têm a ver com mais do que apenas trabalhar?

Isto é sobre mudança de valores. Adoptámos, em muitas partes do mundo, muitos dos valores americanos onde o trabalho está no centro. Mas estes valores não funcionaram, são problemáticos. Neste momento, em Portugal as pessoas pensam que têm sido demasiado portuguesas, que precisam de ficar mais americanas: é preciso despedir pessoas, serem mais produtivos, diminuir o Estado. Mas vamos ter que procurar respostas em sítios muito diferentes, acho que vamos ter que criar nuances na nossa atitude em relação ao dinheiro e ao trabalho.

Como?

Bom, é como se estivesse aqui sentado há 50 anos e dissesse: temos que mudar a nossa atitude em relação às mulheres, as mulheres não são criaturas que têm filhos, ficam em casa e morrem. E você podia perguntar-me: como é que essa mudança vai acontecer? A resposta não é apenas uma coisa, não há um botão mágico que se pressione. Mas é uma mudança de valores, que significa imensas coisas: para mim como escritor, para outras pessoas como gestores, pais, membros de famílias. São mudanças enormes nas sociedades. Estamos a pensar em ajustar o capitalismo e o capitalismo como o conhecemos agora tem uns 100 anos, por isso precisamos de ser mais espertos a resolver algumas coisas. Para que serve uma empresa? Para que serve o lucro? De quanto lucro precisamos? Qual é a responsabilidade de um empregador para com os seus trabalhadores? Não temos estas respostas, estamos a trabalhar nelas.

Numa crise económica as pessoas ficam impacientes: qual é a resposta, Karl Marx ou Milton Friedman? Se calhar pensamos: é um bocadinho disto e um bocadinho daquilo…Mas precisamos de avançar devagar, é como quando temos um acidente de carro, não se fica curado imediatamente. Isto, psicologicamente, vai levar anos.

Em relação ao Estado Social, há o argumento de que o sistema está a colapsar e relativamente, por exemplo, às reformas, há quem defenda que se deve avançar para um sistema privado. Qual é a sua posição?

Portugal continua a ser um país rico relativamente aos padrões do resto do mundo. A questão é quanto dinheiro é gasto. O Estado Social é uma conquista muito importante e uma ideia muito boa, seria um desastre acabar com ele. Tem problemas, mas são os problemas de uma burocracia enorme que vemos em várias áreas da vida: quando uma coisa se torna muito grande torna-se difícil de gerir. Os políticos debatem-se com a questão de como gerir esta grande máquina. Uns dizem que se acaba com ele e entrega-se ao sector privado. Isto aconteceu em algumas áreas no Reino Unido e percebeu-se que, miraculosamente, o sector privado também é igualmente ineficiente! O que fazemos agora? Tentámos privatizar os comboios e foi um desastre, custava 12 vezes mais do que quando era gerido pelo Governo. Os Estados Unidos têm o sistema privado de saúde: custa cinco vezes mais do que do outro lado da fronteira no Canadá, onde é público. A ideia de que o sector privado é mais eficiente é às vezes verdade, outras não.

O problema é como é que se consegue que muita gente trabalhe e seja orgulhosa do que faz, não perca tempo a fazer as coisas de forma ineficiente? As forças armadas é o melhor exemplo de como um grande grupo de pessoas se pode sentir inspirada. Precisamos de aprender com a forma como as forças armadas são motivadas. O que temos é um problema de motivação. Diz-se que se quer entregar os sectores públicos aos privados porque o sector privado tem mais motivação, porque as pessoas são motivadas por dinheiro. O problema não é o sector privado, é a motivação para ter 100 mil pessoas a trabalhar de forma eficaz, juntas. Não há solução mágica.

Cita o filósofo Epicuro sobre o nosso medo da morte, hoje o medo relacionado com a velhice é também o medo da forma como se vai viver os últimos dias, o que tem obviamente a ver com a reforma. Como é que o Estado deve melhorar o bem-estar dos reformados?

Muitas das ansiedades das pessoas mais velhas são ansiedades sobre a morte. A indústria das pensões e os governos, de alguma maneira, tentam passar a imagem da velhice como um tempo muito agradável. A verdade é que as pessoas se confrontam com esta coisa que é a morte, e o corpo sofre, os amigos morrem, há uma grande tristeza.

Há um sítio onde se encontram mais pessoas idosas do que em qualquer outro que é a igreja. A igreja tem sido a solução para a velhice. Quem vai à igreja? Os mais velhos. Porque a igreja é muito boa com o sofrimento e tem as suas soluções. A questão é: se não se acredita em Deus, o que se faz? Fica-se em casa a ver televisão? Em que é que se pensa como ateu inteligente? Acho que temos que ser melhores com o sofrimento dos idosos e da morte. Nas sociedades capitalistas, em que é tudo sobre sexo, juventude, estas coisas esgotam-se: como é que podemos ajudar-nos uns aos outros fora da religião? Este é o desafio.

Temos neste momento um problema com o sistema do social: as pessoas vivem até mais tarde, trabalham até mais tarde; por outro lado, há as taxas mais altas de desemprego jovem. Alguns dizem que devemos valorizar os mais velhos, outros que se os mais velhos não saem do mercado de trabalho os jovens não têm lugar. Como se resolve isto?

Isto é uma abstracção, não creio que nenhuma organização enfrente esse problema. O verdadeiro desafio é como é que se identifica correctamente a forma como um trabalhador mais velho pode contribuir versus a forma como um jovem pode contribuir. Tradicionalmente, pensamos que os jovens são mais baratos e energéticos, e os mais velhos mais caros mas mais sábios. Será que isso é verdade? O mesmo aconteceu quando as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho: será que uma mulher pode desempenhar as mesmas funções que um homem? Esta era a pergunta de há 30 anos. As respostas modernas mais inteligentes é que sim podem fazer, mas fazem-no de forma diferente. E em alguns sectores são melhores, por exemplo, na banca respondem melhor ao risco. É o mesmo tipo de resposta em relação aos jovens e velhos. Temos de descobrir a juventude e a velhice como categorias de trabalho – não vai ser um ou outro, mas onde é que cada um pode beneficiar uma empresa em quê.

Qual deve ser o papel do Estado e da sociedade em relação à reforma além do suporte financeiro?

Se pensarmos em alguns problemas da reforma eles têm a ver com solidão, perda de estatuto, isolamento, má arquitectura que separa as pessoas e as põe num sítio à parte… Há muitos negócios por fazer que tomarão conta das necessidades das pessoas mais velhas. Como ajudar as pessoas mais velhas e mais novas a relacionarem-se? Antes acontecia naturalmente, porque estavam todos na mesma casa, o que hoje já não acontece – mas não deveríamos pensar nessa possibilidade quando desenhamos casas? Alguns carros podem ser melhores para pessoas mais velhas: quais? Temos que redescobrir as pessoas mais velhas como consumidores e como trabalhadores.

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