Willkommen, senhora chanceler!
Vem medir as consequências desastrosas da austeridade punitiva aplicada em Portugal? Não, Portugal não é um "caso de sucesso": o Governo português não lhe está a dizer a verdade. Como outros povos europeus, os portugueses estão a fazer sacrifícios demasiado pesados sem ver luz ao fundo do túnel do ajustamento orçamental, enredados na espiral recessiva da austeridade "custe o que custar". Dez mil crianças chegam à escola com fome, noticiava a imprensa na semana passada...
A desregulação do mercado, que foi "mantra" da sua família política zelosamente empunhado pela Comissão Barroso I, conduziu aos excessos do sistema financeiro mundial e europeu e ao vasto leque de embustes em que as instituições de crédito se especializaram: esta foi a principal causa da crise de 2008 - não os Estados e as famílias endividadas da periferia europeia.
E o prolongamento da crise na Europa não resultou do descontrolo orçamental na periferia, mas das deficiências do euro, agravadas pelos desequilíbrios macroeconómicos entre os seus membros; se uns se endividaram, como Portugal, outros como a Alemanha acumulam excedentes comerciais, tantas vezes à conta de negócios corruptos que arruinaram os contribuintes das periferias: as vendas de submarinos alemães a Portugal e Grécia são só a ponta do icebergue...
Depois, sra. chanceler, ponha a mão na consciência: a senhora complicou tudo, quando demorou o primeiro resgate à Grécia e quando no segundo exigiu um haircut aos investidores privados em títulos públicos gregos: exibiu o pano vermelho ao touro da especulação contra o euro, deixando entender que na zona euro, onde os Estados correram a salvar os bancos, havia Estados à mercê dos especuladores: Portugal, então o elo mais fraco, foi forçado a pedir o resgate.
Desde então, os nossos parceiros do Norte da Europa, dominados pelas emoções (quem diria?), cultivam o dogma da punição de putativos crimes dos "piigs" a sul: aplica-se a austeridade desmedida com impactos devastadores sobre o crescimento e o emprego. No segundo país com mais desigualdades da UE, Portugal, esmagam-se salários e pensões aos trabalhadores, que em média já ganhavam dos mais baixos de entre os Estados do euro, sendo também dos que mais horas trabalham e mais tarde se reformam. Não acreditamos na política destrutiva que nos impõem a pretexto de nos salvarem da ruína. Bombardeiam-nos com promessas de que o nosso empobrecimento no curto prazo nos fará crescer no futuro - quimera desmentida pelos factos e números, como já até a CE e o FMI reconhecem. E a dívida pública não pára de aumentar...
Não é de dinheiro que mais precisamos, é de solidariedade, decisões e instrumentos europeus que nos permitam respirar, estender prazos e pagar juros mais baixos, podermos reembolsar a dívida e sobretudo para investirmos no crescimento e na criação de emprego. Sem isso, Portugal transforma-se numa economia de baixos salários, com um mercado interno deprimido e sectores estratégicos (para a própria UE) da sua infra-estrutura a serem vendidos a preço de saldo ao PC chinês ou a plutocratas africanos.
No Parlamento Europeu, a senhora disse que para Portugal ser competitivo precisava de investir na qualificação dos jovens: sabe quantos milhares de jovens qualificados já tiveram de emigrar neste último ano, por falta de emprego, à conta da sua austeridade punitiva?
O Banco Central Europeu salvou temporariamente o euro através da ajuda directa aos bancos, mas a economia continua a seco: eles financiam-se no BCE a menos de 1%, o Estado paga mais do triplo: dá-se sinal aos banqueiros de que o risco moral não conta.
Os seus concidadãos são os maiores beneficiários da moeda europeia. A senhora vende-lhes os méritos do modelo de competitividade assente nas reformas do mercado de trabalho do seu predecessor, esquecendo-se que, então, a economia global estava a crescer, permitindo atenuar os choques. Eles julgam que nos estão a "dar" dinheiro, quando na realidade a Alemanha está a ganhar elevados juros pelo que nos empresta.
Apelo ao seu pragmatismo, sra. chanceler, pedindo-lhe que arrepie caminho. Porque ele é também um tiro no pé da Alemanha, já a ser afectada pela recessão na UE. Não subestime os gravíssimos problemas que se estão a criar na Europa em razão do calendário eleitoral alemão. Honrado e responsável, o povo português quer consolidar as suas contas, mas com tempo e dignidade, sem mais desigualdade social e destruição da democracia. As contas que esquecem o bem-estar dos povos são contas furadas. Queremos mais Europa, mas uma Europa solidária e com mais controle democrático. Mas a Europa é julgada pelos seus resultados: cautela! Há cada vez mais portugueses desiludidos com a UE e a democracia!