Aberto até de madrugada
Nasceu por causa do remo e recebe hoje alguns dos melhores atletas do mundo. À entrada de Avis, há uma unidade hoteleira que se embrenha na paisagem e onde o relógio fica à porta. O seu lema: não ser um "hotel chato"
Tomar pequeno- -almoço à hora do almoço. Almoçar à hora do lanche. Jantar à meia-noite. Beber um gin com uvas quando já se devia estar no quinto sono. Quando Quentin Tarantino escreveu o thrillerAberto até de madrugada - com motoqueiros, vampiros e muito sangue à mistura - teria tudo na cabeça menos algo chamado Herdade da Cortesia. Mas o título encaixa bem neste hotel situado às portas de Avis, debruçado sobre a barragem do Maranhão. Feito para atletas de remo e por atletas, nasceu somente com uma regra básica a cumprir: não ser um hotel "chato". Aqui não há horários para as refeições, quartos apertados e camas estreitas, piscinas onde não se pode dar um bom mergulho de cabeça ou falta de espaços de convívio. E nem mesmo há telhados que não se possam subir. Nesta herdade, tudo está aberto e em aberto. Até de madrugada.
No meio de 47 hectares de terreno, entrecortados por searas, olivais, vinhas, hortas e pomares, a Herdade da Cortesia surpreende logo à chegada. Quem está à espera de mais um turismo rural, no meio do Alentejo, é confrontado com um edifício de estilo vanguardista e aerodinâmico, perfeitamente inserido na paisagem, onde o ferro, o vidro e a madeira alternam por entre linhas curvas, terraços em diferentes níveis e três fileiras de quartos, uma para cada lado. São 30 no total, todos ao nível do solo, com janelas rasgadas, alpendre e acesso directo ao exterior. Cada um com a sua vista. De uns vê-se, lá no alto, a vila de Avis. De outros a planície alentejana ou a piscina. Ao fundo, a barragem do Maranhão. Onde tudo começou, há mais de 20 anos.
Aos 16 anos, Luis Ahrens Teixeira já conhecia de cor o trajecto Lisboa-Avis. Fazia parte de um clube de remo e vinha frequentemente para o Maranhão treinar. O desporto tornou-se de alta competição. Sempre com Avis pelo meio, Luis Ahrens participou em nove campeonatos do mundo. Em 1997, em conversa com o seu colega Alec Beerten, surgiu pela primeira vez a ideia de fazer um hotel naquela zona, que pudesse albergar as equipas estrangeiras de remo, que, duas vezes por ano, se deslocavam ao Maranhão para treinar. "Na altura, começámos por alugar pensões, depois casas, depois montes e, no final, já era quase a vila inteira que ficava por conta dos atletas", recorda.
Com o projecto na cabeça, Luis Ahrens foi tirar o curso de Economia e começou a preparar um plano de negócio. Em 2004, convenceu os arquitectos Pedro Alte da Veiga e Aurora Baptista a juntarem-se ao projecto e, no início de 2009, a Herdade da Cortesia (que conservou o nome da antiga herdade) abria portas. A equipa de remo dinamarquesa foi a primeira a vir. Seguiram-se os noruegueses, os holandeses, os suecos, os belgas, os alemães. Grandes nomes do remo como o inglês Alan Campbell e o dinamarquês Eskild Ebbesen treinaram-se em Avis. Este ano, nos Jogos Olímpicos de Londres, 14 equipas de remo tinham o Maranhão no "currículo".
Sem nenhuma experiência hoteleira na bagagem, Luis Ahrens tinha apenas uma ideia assente: queria fazer um hotel que não tivesse nada daquilo que detestava nos hotéis onde passava boa parte da vida. Queria um hotel "que não fosse chato". "A filosofia era: se fosse bom para os atletas, seria bom para toda a gente", resume. Abolir a tirania do relógio foi o primeiro passo.
O encantador de cavalos
Duas vezes por ano, durante cerca de 15 dias, equipas de remo de várias nacionalidades invadem a herdade. Num negócio onde a sazonalidade não existe e a ocupação dos quartos está garantida tanto na época alta como na época baixa (neste momento, já há reservas até 2016), a prioridade foi fazer um hotel à medida dos atletas. Não há horários para as refeições e as camas são grandes de modo a acomodar corpos que, por regra, não têm menos de 1,90 metros de altura e facilmente ultrapassam os dois metros."A piscina tem 2,5 metros de profundidade porque eu adoro dar um bom mergulho", confessa Luis Ahrens. Ao longo dos corredores dos quartos, há pequenas salas de convívio, com sofás e televisão, para oferecer um espaço alternativo ao quarto. Logo no átrio de entrada há um pequeno pátio exterior com uma fogueira improvisada e sofás, que convidam à preguiça ou a largos debates pela noite dentro. Um atleta norueguês felicitou uma vez os quatro sócios da herdade dizendo: "I"m so glad you made this, it looks like a fairy tale" ("Estou muito feliz que tenham feito isto, parece um conto de fadas.")
Para o jovem Hugo, a Herdade da Cortesia significa ainda mais: o concretizar de um sonho de infância. Veio dos Açores com apenas 15 anos, para estudar no Alto Alentejo. Em criança, os pais, agricultores, tinham-lhe oferecido uma égua, despertando o "bichinho" da equitação. Com apenas 18 anos, Hugo é o treinador e tratador dos cavalos da herdade: o Xisto, o Nobre, a Anita, o Andaluz e o Catalão. Trabalha e vive neste hotel de quatro estrelas. Há pouco tempo, fez o seu primeiro grande investimento: uma égua que está prenhe de um campeão de obstáculos. Custou-lhe 6500 euros. A expectativa é que o negócio ainda venha a render bastante ao jovem Hugo.
O céu é o limite
Entusiastas de uma boa noite de diversão, Luis Ahrens e Pedro Veiga adoram dar e receber festas e eventos na herdade. Não desprezando o conceito de uma escapadela romântica a dois, a Herdade da Cortesia é ideal para reunir um pequeno grupo de amigos durante um fim-de-semana ou alguns dias.Tem ginásio para quem precise de queimar calorias, um restaurante panorâmico para quem queira acumular mais algumas e uma piscina infinita de onde só se avista o verde da paisagem. Tem espreguiçadeiras no alpendre dos quartos para passar uma tarde a ler. E, para quem não passa sem acção, há várias actividades à escolha: aluguer de bicicletas, passeios de balão, aulas de equitação ou passeios a cavalo ou de charrete. E, claro, canoagem ou passeios de barco na barragem do Maranhão.
Mas, num hotel onde parece haver poucos limites, imperdível mesmo é terminar o dia (ou a estadia) com uma subida ao telhado. Isso mesmo que leu. A cobertura em madeira escura começa no chão e sobe em linha curva até ao topo do edifício do hotel. É como se estivéssemos a escalar uma pequena montanha, sem sabermos o que está do outro lado. À frente, avista-se toda a herdade, o Maranhão, os olivais e os montados. Para trás fica Avis, com o castelo e o convento iluminados a lembrar os tempos da dinastia e da ordem militar que lhe deu o nome. À volta, reina o silêncio. Não tem preço. É mesmo cortesia da casa.
A Fugas esteve alojada a convite da Herdade da Cortesia