O fado por Rui Vieira Nery
Passaram oito anos desde a publicação da primeira edição de Para Uma História do Fado, de Rui Vieira Nery, que foi editada pelo PÚBLICO. Por isso, a reedição desta obra na Imprensa Nacional - Casa da Moeda é uma edição revista e parece um novo livro, com capa nova e concepção gráfica do designer Jorge Silva. Muito se passou entretanto. O fado é agora património imaterial da humanidade da UNESCO, as vendas da discografia de fado são superiores às de qualquer outro género nacional, a Rádio Amália - que nasceu em 2009 - tornou-se num sucesso de audiência e o filme de Carlos Saura, Fados, realizado em 2007, recebeu o Prémio Goya para a melhor canção original (uma interpretação do Fado da Saudade por Carlos do Carmo).
Para Uma História do Fado continua a ser uma obra de divulgação geral obrigatória para quem não sabe nada sobre o género e continua a servir "de ponto de partida para a reflexão e a investigação especializadas", como admite Rui Vieira Nery no prefácio que fez para esta reedição. O doutorado em Musicologia pela Universidade do Texas, em Austin, optou por manter o texto da edição de 2004 e no novo livro só corrigiu gralhas, actualizou a bibliografia e fez uma introdução com uma síntese histórica do que aconteceu entretanto. Para Uma História do Fado começa pela origem deste género musical: "O primeiro aspecto a constatar na procura das raízes históricas do fado é o de que até ao final do século XVIII não conhecemos uma única fonte escrita portuguesa em que esta palavra seja utilizada com qualquer conotação musical." Conta Rui Vieira Nery que só em 1822 há pela primeira vez "a menção da palavra "fado"com sentido próximo da música", numa "espécie de guia informativo geral sobre Portugal e as suas colónias" que o geógrafo italiano Adriano Balbi publicou em Paris. "Balbi, baseando-se em informações recebidas do Rio de Janeiro, afirma: "O Chiú, a Chula, o Fado e a Volta-no-Meio são as danças populares mais comuns e mais notáveis do Brasil"" (pág. 33). Anos depois, surge uma referência no diário de Carl Schlichthorst, um oficial alemão que esteve no Brasil em 1825-26: "A dança favorita dos pretos chama-se fado. Consiste num movimento que faz ondular suavemente e tremer o corpo, e exprime os sentimentos mais voluptuosos da pessoa de uma maneira tão natural como indecente" (pág. 34). A história do fado passa também pelo lundum e pelas modinhas nos salões. As casas de fados e fadistas, como espaços de boémia e prostituição lisboetas, aparecem referidas pela primeira vez em fontes da década de 1830.