Chega uma voz portuguesa a uma comuna de Bruxelas
Nas autárquicas que se disputaram na Bélgica a 14 de Outubro houve pela primeira vez um português eleito na região de Bruxelas
Pedro Rupio aparece com os livros debaixo do braço. É um rapaz alto, moreno, de sorriso sempre posto. De dia, trabalha num banco. De noite, estuda Ciência Política nas Faculdades Universitárias Saint-Louis. A política é o seu lugar de sonho. Ainda está a digerir o facto de a 14 de Outubro ter sido eleito conselheiro na Comuna de Saint-Gilles.
O orgulho é indisfarçável. Foi a primeira vez que um cidadão português foi eleito na região de Bruxelas. "Era importante termos uma espécie de porta-voz dentro da comuna. Somos a segunda maior comunidade dentro da comuna, mas não tínhamos lá nenhum representante."
Filho de uma portuguesa e de um francês, que é um misto de ilha da Guadalupe e Vietname, nasceu há 28 anos em Bruxelas. Portugal, para ele, era o Verão no Alentejo - a família, a praia, a comida saborosa. "O quotidiano era sempre agradável. Depois, aprendi que Portugal tinha um passado, uma história forte."
A mãe inscreveu-o cedo nas aulas de língua e cultura portuguesa, mas tirou-o pouco depois, ao encontrá-lo na rua e não na sala. Ele retomou as aulas por volta dos 11 anos, muito por insistência de uma funcionária da embaixada que o vira entretido com livros de geografia e história. Sportinguista, treinava a leitura de português nas páginas do jornal A Bola.
Percebeu a vontade de entrar na política nas eleições locais de 2006. Os socialistas belgas entraram em contacto com os socialistas portugueses e chegaram até ele, mas ele vivia na comuna de Uccle, não na de Saint-Gilles. Passou os últimos seis anos "a aprender a coisa pública": em 2005, lançara o Nós cá fora, o portal da comunidade portuguesa na Bélgica; em 2006, integrara a direcção da Associação de Portugueses Emigrados na Bélgica; em 2007, criou a associação Força Luso-descendente; em 2008, foi eleito para o Conselho das Comunidades Portuguesas. "O conselho deu-me possibilidade de aprender muito, de crescer muito. Hoje, estou muito mais preparado do que há seis anos."
Arredados da política
Ficou em 13.º lugar na lista de Charles Picqué. Alegrou-se por estar logo a seguir a alguém de destaque, como o presidente do Centro Cultural, o que entendia como um "sinal de respeito e de consideração pela comunidade portuguesa". Havia muito trabalho prévio a fazer. E começava por incitar o máximo de estrangeiros residentes, portugueses em particular, a recensearem-se. "Quando comecei esse trabalho em Março, estavam inscritos apenas 140 portugueses. Hoje, há 421 inscritos para votar em Saint-Gilles: triplicámos o número de inscrições e conseguimos passar à frente das comunidades italiana e espanhola, que levavam muito avanço."
Os portugueses da Bélgica vivem muito arredados da vida política. Não são os únicos. De acordo com a Comissão Europeia, só votam nas autárquicas uma média de 10% dos oito milhões de europeus que vivem nalgum Estado-membro diferente do seu.
Alguns dos portugueses que Pedro Rupio encontrou nunca tinham votado. Será, talvez, herança do longo período salazarista. Haverá também falta de informação sobre os direitos dos estrangeiros. E a "má imagem" dos políticos não será alheia a tanto desinteresse.
Fala em Saint-Gilles como "uma comuna com características únicas": 50 mil pessoas a viver em 2,5 quilómetros quadrados, metade das quais estrangeiras. "Há mais de 140 nacionalidades. E é interessante notar um certo equilíbrio: mais ou menos três mil [eleitores] franceses, mais ou menos dois mil espanhóis, mais ou menos dois mil portugueses."
É uma das mais pobres comunas de um país que regista cerca de 40 mil portugueses. O conselheiro julga que há mais, já que "os trabalhadores sazonais e os eurocratas mantêm residência em Portugal". Em Saint-Gilles moram uns três mil, cerca de 2100 eleitores potenciais, 421 eleitores de facto. Pedro Rupio centrou a sua campanha neles. Apresentou-se como alguém que lhes poderia "facilitar a relação com a comuna". Obteve 459 votos.
Mais 13 portugueses
Pelo menos 13 candidatos tinham origens portuguesas, numas eleições cuja grande surpresa foi a subida dos nacionalistas na Flandres - Bart de Wever, o líder do N-VA, derrotou os socialistas flamengos, que já governavam Antuérpia há perto de 80 anos. Além de Pedro Rupio, entre os conselheiros está, na comuna de Enghien, Inês Mendes, de 38 anos, filha de pai português e mãe belga. A licenciada em Ciências Políticas, que numa entrevista ao Mundo Português se disse "mais belga do que portuguesa", já foi conselheira comunal entre 2001 e 2006 e é secretária política e vice-presidente da UCS (União Socialista Comunal) de Enghien.
A tomada de posse está marcada para o próximo dia 3 de Dezembro. Só depois Pedro Rupio saberá de que se ocupará. Ele gostaria de trabalhar coesão social, juventude, desporto, ensino público e movimento associativo. Inês Mendes, por sua vez, está mais preocupada com "mobilidade urbana numa cidade com muito tráfego automóvel" e com "desenvolvimento do comércio e de actividades culturais para a população mais jovem".