Oh! Manchester!
Dos Joy Division aos New Order, da Haçienda ao Factory, Peter Hook nunca desistiu da cidade onde cresceu, um lugar chuvoso e às vezes deprimente do Noroeste de Inglaterra.
Além de músico, DJ e proprietário do clube Factory, Peter Hook é também, desde Junho, professor na Universidade de Preston (a UCLan), a meia hora de comboio de Manchester. Para quem quer trabalhar nas diversas áreas da indústria da música, é uma das universidades com mais cotação no Reino Unido. "Os estudantes combinam os estudos académicos com aulas de sentido mais prático, ou outras onde tomam contacto com figuras de significado cultural como é o caso de Peter [Hook]", diz-nos Tony Rigg, o principal responsável pelo doutoramento em Promoção e Management na instituição.
No dia em que visitamos a Universidade, Hook tem uma aula marcada. Não será uma aula convencional, porque fará a apresentação do livro Unknown Pleasures: Inside Joy Division, mas o seu novo papel como professor entusiasma-o. "Hoje em dia não é possível dissociar a arte do negócio e é isso que fazemos aqui: dar ferramentas às pessoas para que consigam conectar as duas coisas. Gosto muito de reflectir com os estudantes. Eles aprendem com a minha experiência, mas eu também aprendo com o seu olhar fresco sobre a realidade."
Ao lado de Tony Wilson, o mentor da Factory, Peter Hook foi o principal responsável pelo clube The Haçienda, que teve uma vida atribulada entre 1982 e 1997, tendo sido suportado, em grande parte, pelas vendas de discos dos New Order. Foi ali que a Manchester pós-Joy Division, mais ligada à cultura da música de dança, haveria de florescer. O irromper do acid-house, os anos dos Stone Roses e dos Happy Mondays haverão de ficar ligado para sempre ao clube, como retrata o documentário 24 Hour Party People (2002). "Foi uma pena que a Haçienda tivesse acabado, mas agora tenho o Factory e, desta vez, estou ao lado de um homem de negócios", ri-se Hook, comparando os dois períodos: "Se eu chego ao clube e digo: "porque é que não pagamos um copo a toda a gente como na Haçienda?", ele manda-me à merda! É realista e ainda bem. Fiz mais dinheiro aqui, em dois meses, do que na Haçienda em 16 anos."
O clube Factory ocupa agora o edifício onde funcionava a editora do mesmo nome e esse foi, em grande parte, o pretexto para o investimento, diz Hook. "O interesse era salvar o edifício. Seria uma pena perdê-lo, até porque foram os New Order a pagá-lo. Inicialmente pensava que iria atrair pessoas mais velhas, do tempo da Factory e da Haçienda, mas não. É gente mais nova."
Algumas dessas pessoas, entre estudantes e curiosos, enchem o auditório onde Hook apresenta o seu livro. Primeiro discorre sobre Manchester, analisando a forma como a segunda maior cidade inglesa se tornou conhecida em todo o mundo, e "não só pelo Manchester United", mas também pelos Joy Division, New Order, The Smiths, Stone Roses, Happy Mondays e outros.
Sair ou ficar
Parte dessa história escreveu-a no livro The Haçienda: How Not To Run a Club (2010). Agora é outro livro que o ocupa. "Não quis escrever a história dos Joy Division a partir de diferentes pontos de vista", começa por dizer. "O que está no livro é a subjectividade do meu olhar, nada mais. A partir do momento em que falamos com várias pessoas percebemos que cada uma delas possui uma memória diferente dos acontecimentos. E as coisas tornam-se confusas. Perde-se foco sobre o que se está a fazer. Começamos a questionar-nos e paralisamos. Ao longo dos anos falei imenso sobre os Joy Division. Era uma questão de recordar-me. Tocar a música também ajuda, traz de volta o espírito, as memórias. Foi muito organizador fazê-lo. Desde que escrevi o livro sinto que aqueles tempos estão muito presentes. É como se me tivesse ajudado a clarificar mais."Os alunos absorvem as histórias com devoção. Hook fala sobre a rivalidade, nos anos 1980, com a Liverpool dos Echo & The Bunnymen, ou com a Sheffield dos Cabaret Voltaire, para concluir que Manchester era a cidade mais influente do Reino Unido em termos de música. Na parte final abre-se espaço para perguntas e, às tantas, inevitavelmente alguém pergunta sobre a rivalidade com Bernard. "Aprecio a sua capacidade de trabalho, mas no resto sinto-me nos antípodas." E exemplifica: "Quando estou em palco gosto de perceber o que se passa à minha frente, olho para as pessoas das primeiras filas, aprecio a beleza à volta, enquanto o Bernard está tenso, fecha os olhos, não desfruta."
Entre a assistência, é curioso verificar que estão inúmeros professores, na casa dos 40 e 50 anos, fãs dos Joy Division. "Vi dois concertos deles, num deles ainda se chamavam Warsaw", recorda Joanne Harris, que ainda continua a ouvir a música do grupo. "Percebia-se que eram quatro músicos contra o mundo ou qualquer coisa assim, havia raiva e doçura" diz, antes de afirmar que fazem parte da sua "história de crescimento, fazem parte da história de Manchester".
Sobre o seu estilo peculiar de tocar baixo, Hook surpreende ao dizer que se inspirou em muita música negra (em especial, em temas da editora Motown), ao mesmo tempo que confessa que Twenty-four hours, She"s lost control, Love will tear us apart ou Atmosphere são as canções dos Joy Division com linhas de baixo que mais gosta de tocar. Às tantas, para exemplificar, põe a tocar Atmosphere. Ouve-se o ritmo marcial, a linha de baixo e depois a voz de Ian, "walk in silence...", e a sala irrompe num esmagador silêncio. No fim, aplaude-se.
Uma só canção, com um som manhoso, numa aula da universidade de Preston, num final de dia chuvoso, e percebe-se que há pessoas emocionadas. Mas, claro, Peter Hook, trata de atenuar o ambiente: "O Steve e eu viemos um dia com a ideia rítmica para essa canção, e depois o Bernard e o Ian trabalharam a melodia e a letra. Ao que parece é uma das canções que as pessoas mais gostam de tocar em funerais". Toda a gente se ri.
No final da sessão falamos com alguns estudantes e um deles acaba por resumir quase tudo. "As bandas mais conhecidas de Manchester, como os Smiths e os Stone Roses, duraram pouco tempo, talvez porque sempre desejaram sair daqui. Os Joy Division foram os que duraram menos, mas talvez tenham sido os mais influentes - e nunca saíram daqui. Peter Hook é do Noroeste, é um de nós."
Lá fora já é noite. Cai uma chuva incomodativa e o ar está gelado. Estamos sem dúvida no Noroeste de Inglaterra. V.B., em Manchester