Embaixador de Israel diz que Portugal tem "uma nódoa" que os judeus não esquecem
Com palavras duras, Gol lembrou terça-feira, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, que Portugal "foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias", quando soube da morte de Adolf Hitler. "É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal", exclamou.
"Recuso-me a suportar o peso dessa nódoa", respondeu-lhe um professor da Universidade de Coimbra, que se encontrava na sala repleta para mais uma sessão da conferência Portugal e o Holocausto, aprender com o passado, ensinar para o futuro, que terminou ontem. O docente lembrou que o país vivia então em ditadura e que os gestos do Governo de então não podem ser imputados aos portugueses. "O passado é doloroso. O Portugal de hoje não é o mesmo do passado, como a Alemanha de hoje também não é a mesma do passado, mas os países têm de assumir responsabilidades pelo seu passado", respondeu Gol.
Não foi a única crítica. O embaixador de Israel contou que, ainda há dias, foram ter como ele para lhe expor de novo o problema da Casa do Passal, em Cabanas do Viriato, onde viveu Aristides Sousa Mendes, e que se encontra em risco de derrocada devido a uma guerra de poder na fundação com o nome do diplomata, que é proprietária do palacete construído no século XIX. Sousa Mendes foi cônsul de Portugal em Bordéus durante a II Guerra Mundial. Contra as ordens de Salazar passou mais de 30 mil vistos a judeus perseguidos, para poderem abandonar a França ocupada em direcção a Portugal. Exonerado do cargo, acabou por morrer na miséria.
Sousa Mendes é um dos "justos das nações do mundo", o título dado por Israel a cidadãos não-judeus que ajudaram judeus a escapar ao Holocausto. Na Avenida dos Justos figuram 25 mil nomes e apenas dois são de portugueses, recordou ontem o embaixador de Israel. "Não venham ter connosco, ou com os EUA, para tratarmos da casa. Façam vocês algo para promoverem a imagem dos vossos "justos"", exortou. O outro "justo" português é Carlos Sampayo Garrido, embaixador de Portugal em Budapeste entre 1939 e 1944, que em conjunto com o seu encarregado de negócios, Teixeira Branquinho, ajudou mais de mil judeus húngaros. A sua saga foi revelada pelo PÚBLICO em 1994.
O embaixador de Israel em Lisboa mostrou também não compreender as razões que levam Portugal a ser apenas um observador na Task Force Internacional para a Educação, Memória e Investigação do Holocausto, uma organização intergovernamental criada em 1998 e de que são membros 31 países. "Já chega de ser apenas um observador. Portugal tem obrigação de ser um membro de parte inteira da Task Force", criticou Gol. O embaixador revelou que se encontrou recentemente com o ministro da Educação, Nuno Crato, e que o exortou a assinar um acordo com o Governo de Israel para que "os professores portugueses aprendam a ensinar o Holocausto". Esta formação é ministrada pela escola internacional do Yad Vashen, o memorial do Holocausto em Jerusalém. Por iniciativa da MEMOSHOÁ - Associação Memória e Ensino do Holocausto, foram já organizados quatro seminários de formação de professores portugueses. O embaixador de Israel defende, contudo, que "está mais do que na hora de esta formação ser mais institucionalizada", através de um acordo entre os dois governos.
Gol lembrou os seus tempos de jovem em Israel, uma altura em que os sobreviventes dos campos de concentração andavam sempre de camisas com mangas compridas para esconder o número inscrito na pele. "Eles tinham vergonha e nós também, porque não tínhamos lutado o suficiente", conta. A memória do Holocausto em Israel começou assim.