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Discurso de Passos é uma fuga para a frente em clima de pré-campanha eleitoral

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Passos Coelho

Ao desafiar o PS para uma "reforma ambiciosa do Estado", o primeiro-ministro procura uma segunda oportunidade depois de um mês de intenso desgaste, dizem analistas

Ao desafiar o PS para fazer "uma reforma mais ambiciosa do Estado que não estava" no memorando inicial de entendimento com a troika, Passos Coelho está a tentar uma fuga para a frente, depois de um mês de intenso desgaste político do Governo e da coligação que o apoia. É a leitura política, comum a três analistas, de um discurso que o primeiro-ministro iniciou nas jornadas parlamentares PSD/CDS e ontem aprofundou no arranque do debate do Orçamento do Estado.

Não é a importância da discussão sobre as funções sociais do Estado que está em causa, mas sim o seu timing. "O primeiro-ministro quer ter esse diálogo depois de um mês muito difícil para o Governo e numa altura em que a sua popularidade e capacidade negocial está extremamente enfraquecida", analisa Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro. O que o leva a questionar: "Até que ponto é uma proposta genuína de debate, ou apenas uma tentativa para retomar a iniciativa da agenda política, ao mesmo tempo que tenta esvaziar a questão fiscal que o orçamento levanta?"

Manuel Villaverde Cabral não tem esta dúvida, mas também vê o desafio do primeiro-ministro como "uma tentativa inteligente de recuperar o terreno e a popularidade que manifestamente perdeu, por erros seus e de comunicação do Governo". E no mesmo sentido, embora com uma formulação menos benevolente, António Costa Pinto assinala a necessidade de Passos Coelho de ter "uma segunda janela de oportunidade, transformando em positivo a redução das funções do Estado a que vai ser obrigado, porque sabe que o orçamento não vai ter os resultados esperados".

Para este professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com este discurso de redução da despesa através do repensar das funções do Estado, o chefe do Governo traz "um cimento muito importante para a coligação", já que esta ideia é tradicionalmente "um património do CDS e que só agora chegou ao PSD". Mas serve, ao mesmo tempo, para "manter a negação de qualquer hipótese de renegociação" do memorando de entendimento.

"Os cínicos dirão que o Governo não pode admitir qualquer renegociação ou segundo resgate, mas eu não creio", afirma Costa Pinto. "A coerência do primeiro-ministro e de outros ministros, como o das Finanças, é assumir que querem redefinir as funções sociais do Estado", acrescenta. Ou, como diz Villaverde Cabral: "Passos Coelho sempre disse que quer fazer da crise a oportunidade de mudança, mas não se atreve a dizer que quer fazer um Portugal liberal."

O paralelismo com Sócrates

Interessante é notar as semelhanças de forma entre a primeira parte do discurso de ontem de Passos Coelho e o discurso do anterior primeiro-ministro quando anunciou o acordo com a troika. A 3 de Maio de 2011, José Sócrates fez uma declaração ao país em que explicitava mais o que não ia estar no memorando do que aquilo que lá estava. "Não mexe no 13.º mês, nem no 14.º mês", afirmava então, entre um elenco de medidas que prometia que não iriam acontecer. Em termos programáticos: "Não terá de haver nenhuma revisão constitucional, não haverá despedimentos sem justa causa, mantém-se a escola pública e a tendencial gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde." Era o arranque da campanha eleitoral.

Ontem, Passos Coelho também começou com várias negações. "Este orçamento não foi concebido para um Estado sem graves problemas de financiamento. Não foi concebido para uma economia que tenha evitado a estagnação e o endividamento por mais de 12 anos. Nem o Governo nem os portugueses se podem dar ao luxo de fechar os olhos e fingir que as circunstâncias são outras e radicalmente diferentes."

Pode ser só uma coincidência de forma com objectivos diferentes. Mas "o cenário de eleições antecipadas tornou-se mais provável no último mês", diagnostica Jalali. E por isso, segundo Costa Pinto, os principais discursos de ontem na Assembleia da República foram já "de preparação para a campanha eleitoral".

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