A Luanda de Ondjaki está diferente
Há algumas semanas, no Facebook, o escritor angolano Ondjaki ensaiou uma espécie de antecipação irónica do lançamento do seu mais recente romance, Os Transparentes, revelando-lhe a capa, desenhada por António Jorge Gonçalves, e atribuindo a fuga de informação a um hacker chinês. Agora, e como se a realidade tivesse decidido imitar a ficção, o livro apareceu à venda em algumas livrarias dias antes da data oficial do início da distribuição, marcada para 30 de Outubro. É apenas uma curiosidade, bem entendido, mas é também uma informação útil para os muitos indefectíveis leitores de Ondjaki, que já hão-de estar em pulgas para saber o que lhe reserva o romance que sucede a O Assobiador, Quantas Madrugadas Tem a Noite ou A Bicicleta Que Tinha Bigodes.
Menos próximo do universo onírico, marcado pelas memórias da infância, que cunhava as suas mais recentes incursões pela prosa, Os Transparentes mantém intacta a peculiar relação de Ondjaki com a língua, marcada quer pela festiva oralidade do português que se fala em Angola, quer pela marca indelével que Luandino Vieira inscreveu nas letras do país africano. O palco da narrativa é a mesma Luanda do costume, desenrascada e inventiva. Só que esta Luanda é uma cidade um pouco diferente da que se lia nos outros livros de Ondjaki, provavelmente mais próxima da realidade: solidária, sim, mas também ensanguentada, em chamas, arrasada por um caldeirão de desigualdades e iniquidades, e transtornada, a cada passo, pela água jorrando dos canos rebentados dos prédios do centro.Transitando entre as especificidades do regime angolano, democrático ma non troppo, as marcas do progresso material só para alguns e os grandes negócios que beneficiam sempre os mesmos, Os Transparentes apresenta-se como "um relato social surpreendente". Numa cidade de contrastes gritantes, Ondjaki alterna lirismo e sarcasmo e personagens tão espantosas como um cego, o CamaradaMudo ou o VendedorDeConchas, traçando um retrato vívido e irónico de uma Luanda concreta e surreal a um só tempo. Odonato, por exemplo, adoece de ver tanto sofrimento e pobreza, tornando-se tão leve que a sua mulher o tem de amarrar para que não flutue para muito longe.