No recreio com os Deerhoof

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Improviso, humor, jogo. Alguma violência e tensão. Música para dançar. Está tudo em Breakup Song o novo disco dos Deerhoof, banda avessa a convenções, conselhos e bons exemplos. E uma das melhores dos últimos 20 anos.

Num artigo de Setembro, David Zammitt, jornalista da revista digital The Quietus apontava aos Deerhoof um dos piores pecados que um artista pode cometer. Qual? Recusar a crescer, que vergonha. O pretexto era Breakup Song, o disco mais recente da banda, mas podiam ser outros. Uma solitária canção, entre tantas outras da discografia, a voz acriançada de Satomi ou a dificuldade em escolher e conservar um estilo (gulosos!). Desde 1994, ano do nascimento na Baía de São Francisco, que entusiasmam e exasperam críticos e fãs. E nem os convites de gente célebre (Radiohead ou David Bowie) e os elogios de outros músicos (St Vicent ou Mary Halvorson) os sossegam. Não querem crescer. "Quem disse isso?", pergunta, ao telefone, o guitarrista John Dietrich. Logo explicamos com calma e pormenores, e o tom de alarme desaparece. "Sou capaz de aceitar essa observação. Há muito improviso, jogo, humor nos últimos discos. Por vezes, acho que fazemos música para quem tem défice de atenção, mesmo quando pretendemos o oposto". A aparente autocrítica sublinha o reconhecimento dos traços musicais dos Deerhoof. Um apetite voraz por todos os géneros, uma vontade irresistível em sabotar a canção exemplar, volte-faces à custa de melodia e distorção. Está tudo em Breakup Song, disco gravado nas mesmas condições do anterior: desde 2011 que os quatros membros vivem em locais diferentes. Greg Saunier e Satomi Matsuzaki mudaram-se para Nova Iorque, Ed Rodriguez continua pela Califórnia e John Dietrich estabeleceu-se em Albuquerque (Novo México). "Quando gravámos Deerhoof vs. Evil o processo foi mais complexo e disperso, mas desta vez estivemos um mês em estúdio e cada um trouxe as suas ideias", conta o guitarrista. "Parece um método desconfortável, mas com o tempo passei a sentir-me muito confortável. Permite-nos definir melhor as ideias, comunicá-las melhor. Conseguimos dizer o queremos uns aos outros".

Mas conseguem dizer a quem ouve os discos? Regressamos à questão do crescimento (ah, sacrossanta palavra!) e às ideias de jogo, diversão. "Os discos são importantes, para muita gente é o resultado final. Mas para mim o que fazemos, ou que queremos mostrar, acontece ao vivo. Nos concertos, lutamos com a nossa música ou com as formas mais convencionais de a tocar. De outra forma, seria apenas música de fundo e não música de uma banda. Isto não é uma grande ideia, mas o encontro de pequenas ideias que se intersectam, talvez com um sentido de perigo, de playfulness [deixamos o substantivo no original] e nascem de gesto musicais

A ênfase no lado performativo convida a classificar os Deerhoof como banda rock. "Talvez. Damos importância à instrumentação e aos concertos, mas não somos virtuosos. Lembro-me de, nas nossas primeiras conversas, eu e o Greg [Saunier] falarmos de músicos que eram referências... o Greg falava muito do Tony Williams [importante baterista de jazz, que acompanhou Miles Davis], eu emulava o Marc Ribot. Eram inalcançáveis. Queríamos ser como eles, mas ao mesmo tempo não tocávamos como eles. E encontrámos uma forma de tocar que, admito, possa ser chamada assim. Afinal, tem bateria e guitarras." Insistimos. Há na música dos Deerhoof qualquer coisa que a aproxima dos nomes clássicos do indie-rock, de certas bandas dos anos 1960 e ou grupos mais heterodoxos. Sugerimos uma lista: The Who, Kinks, Captain Beefheart, Minutemen, Sonic Youth e Pixies. "Sinto-me honrado com essa comparação. E de facto vejo uma relação. Trabalhavam a partir de referências anteriores para fazer algo diferente e continuam a soar únicos. Para nós, o mais importante é a ideia de desafio. Procurar fazer algo de novo e não aceitar limites ou usar os limites como instrumentos".

Melodia e noise

A guitarra de Dietrich e a bateria de Saunier são os eixos que sustentam o (novo) caleidoscópio musical dos Deerhoof em Breakup Song: ritmos africanos, frases de teclados roubados ao disco e ao hair-metal, rebuçados de electrónica, sons da Playsation, atmosferas latino-americanas, riffs que os Cheap Trick não enjeitariam. "Gostamos de muitos géneros de música. Mas esse elemento que, como diz, tem qualquer coisa de caleidoscópico, vem de nós. Se não conseguimos mostrar isso, então é porque estamos a falhar nalguma coisa". Relativize-se, todavia, o ecletismo. O que torna a música dos Deerhoof um proposição sedutora, desafiante e erótica (fazendo-a, enfim, crescer) são os paradoxos e a tensão que a atravessam. De um lado, as melodias e voz pop de Satomi, do outro, a fúria do noise rock (categoria tantas vezes associada à banda). "Agrada-me a ideia de uma tensão quando é criada de forma não intencional", diz o guitarrista. "É como se a música estivesse em luta consigo própria, a comentar-se. Mas também acho que há unidade e não várias ideias em luta. Quanto ao estilo da Satomi, é muito sugestivo, muito expressivo. A sua voz funciona como uma lente, uma janela para a nossa música". Os Kinks voltam entretanto à baila na companhia de outro grupo com carreira iniciada nos anos 1960. "Tocámos várias canções dos Canned Heat num festival com os Flaming Lips e dei-me conta do contraste entre o falsete do vocalista [Alan Wilson] e o blues directo da banda. Era fabuloso. E nas guitarras do Kinks, como nas nossas, há uma certa violência, uma expressividade que não tem a ver com a horizontalidade da heavy metal".

Mas em Breakup Song a inspiração surge de outros lugares. "Andámos a tocar com os Konono N°1 e os Kasai Allstars durante o Verão do ano passado [no contexto do projecto Congotronics vs Rockers que passou pelo Festival de Sines]. Foram experiências intensas e trouxemo-las para este disco. Temos reparado que as pessoas não sabem dançar nos nossos concertos e por isso fizemos um disco que as fizesse mover, que as motivasse a mexerem-se. Não é um disco de música de dança, mas de música dançável". E passados quase 20 anos, 12 discos e alguns projectos laterais, podemos falar de um estilo, de uma "linguagem" criada pelos Deerhoof? "Da primeira vez que abordei esse assunto com a Satomi e com o Greg, eles nem se dignaram a responder. Com o tempo comecei a pensar como eles [risos]. Encontrámos uma forma de comunicar uns com os outros, um tipo de telepatia. Mas em termos de evolução do som do grupo, nos detalhes, é difícil identificar um estilo. Quando tocamos ao vivo podemos compreender, perceber melhor o significado das canções, mas elas evoluem, transformam-se". Fogem, no recreio dos Deerhoof.

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