A atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, neste "annus horribilis de 2012", gerou polémica e crítica nos mais diversos órgãos de Comunicação Social, sendo muito questionada por intelectuais, políticos e outros intervenientes de relevo na vida pública dos Estados-membros.
Em 2009, já o Nobel atribuído a Obama havia causado alguma celeuma no panorama da discussão pública internacional, tendo a sua atribuição, à data, sido justificada pelo comité como um “incentivo” ao papel pacificador dos EUA no Mundo, pelos esforços diplomáticos e de cooperação entre povos.
Tratou-se, pois, de um Nobel “prospectivo”, que deveria funcionar como um estímulo à promoção de uma política externa anti-belicista, de medidas de segurança doméstica que contrariassem as tendências "orwellianas" do antecessor de Obama na Casa Branca, e, claro está, de um incentivo ao tratamento justo e digno e igual de todos os suspeitos da prática de actos terroristas.Foi um prémio Nobel “para o futuro”, tanto que, como muitos salientaram na altura, Obama nada tinha, no seu passado pessoal e político, que justificasse prémio de tamanha elevação.
Dois Nobel depois – esses sem grande impacto noticioso, porque atribuídos a homens e mulheres com vidas inteiras dedicadas à luta pela paz e promoção dos direitos humanos – voltamos, em 2012, à atribuição de um prémio controverso.
O Nobel da Paz atribuído à União Europeia parece ter sido justificado em função do seu passado histórico, por mais de seis décadas de contribuição para o avanço da paz e da democracia na Europa. O Comité Nobel elogiou o papel da União na reconciliação dos povos e na construção da paz no pós II Grande Guerra. Relevou, até, as enormes lacunas da União no que diz respeito à capacidade de intervenção militar coordenada dos Estados-membros, de que a crise nos Balcãs aparece como infeliz mas já ténue lembrete.
Evocou, ainda, os esforços da União na promoção da democracia e da liberdade, nomeadamente através da sua política de alargamento e abertura a novas adesões, mesmo quando estas exigiram – como exigirão – a superação de alguns antagonismos.
Crise zona euro
Mas, como destaca Jurgen Habermas em artigo recentemente publicado, o Comité Nobel não foi imune à crise económica que assola a zona euro. Diz o conhecido filósofo alemão que, “ao analisarmos bem o texto, percebemos que o que está em causa é a terceira grande concretização da União, isto é, o seu modelo social, baseado no Estado Providência”, e, por isso, interpreta a decisão de atribuição do Nobel da Paz como um apelo à solidariedade dos cidadãos.
Ao invés de premiar apenas a paz obtida pela ausência de guerra e pelo esforço de combate às violações dos direitos humanos e no assumir de uma posição mais proeminente nas questões da segurança – parece-nos que o comité apela, agora, à paz de que mais precisamos: a paz social.
Dizia-se que a União era um gigante económico, mas um anão político. Agora, porém, parece que em tudo nos arriscamos a tornar-nos uma elegia a Lilliput.
Num cenário em que as cisões entre os Estados-membros são múltiplas e gritantes, e em que a austeridade assume contornos de perigoso denominador comum com ímpetos salvadores de um modelo económico que parece perdido, apetece lembrar aqui o célebre episódio da mitologia grega, em que as filhas de Pélias, enganadas por Medeia, fazem em pedaços o seu pai já velho, com a intenção de lhe proporcionarem um “rejuvenescimento”.
Que este prémio Nobel sirva não só de conforto e de recompensa a uma União que nos apareceu como uma concretização da paz "perpétua" de que falava Kant, como também de alerta contra falsos arautos da salvação, que teimam em fragmentar uma União que se quer sólida e comprometida, acima de tudo, com os cidadãos que a compõem.