A Arte de António Jorge Gonçalves
Foi em 2003 que a equipa do Inimigo Público (distribuído nas edições de sexta-feira com o PÚBLICO) convidou o ilustrador António Jorge Gonçalves para ser cartoonista do projecto editorial que estava a nascer. Nessa altura, António ficou perplexo. Mas, nos últimos nove anos, o autor que na banda desenhada fez a premiada série Filipe Seems (com Nuno Artur Silva) e as novelas gráficas A Arte Suprema e Rei (com o escritor Rui Zink), tem assinado semanalmente cartoons dedicados a temas nacionais e internacionais. "Os jornais morrem todos os dias: um cartoon de imprensa tem apenas uns segundos de vida, morrendo com o virar da folha. Esta volatilidade é frustrante quando julgo ter feito um bom desenho, mas também é uma bênção quando estou desinspirado", conta António Jorge Gonçalves nas primeiras páginas do livro, de capa dura como já há poucos, Bem Dita Crise! que reúne o seu trabalho para o Inimigo Público. Numa altura em que o futuro desta publicação é incerto, torna-se imprescindível ver o retrato da situação que nos levou até aqui. Aos desenhos de Bem Dita Crise!, que têm como pano de fundo a crise que atravessamos, o cartoonista foi juntando notas e comentários que lhes dão uma nova leitura. "A primeira coisa que aprendi, quando comecei a colaborar com o recém-nascido "Inimigo Público", foi que o cartoon político se alimenta não do mundo mas da narração que os media fazem sobre o mundo. (...) Encontrar a "minha" estória no meio de tanta ficção é não só difícil como por vezes impossível", acrescenta o autor.
António Jorge Gonçalves confessa que o mais complicado para um cartoonista é "abordar um assunto que está em todo o lado": "Nessas alturas procuro apenas escutar o barulho do mundo e traduzi-lo por linhas. Esses acontecimentos têm uma força icónica tão grande que passam a ser eles próprios uma metáfora-à-mão-de-semear para explicar outras coisas." É o caso de um dos desenhos intitulado "11 de Setembro, dez anos depois".Umas páginas mais à frente deste Bem Dita Crise!, aparece um outro desenho dedicado à importância da língua portuguesa. "Por muito que tente que os meus desenhos falem por si, as palavras insinuam-se às vezes entre as linhas: fragmentos do discurso político ou chavões de conversa de café ajudam a tornar claras curtas ideias." Isabel Coutinho