Estrela mais perto do Sol tem uma Terra à sua volta, ou quase
Rochoso? Provavelmente sim. Sustenta a vida? Dificilmente. O planeta detectado noutro sistema solar por uma equipa com cientistas portugueses é o que mais se assemelha à Terra até agora. Tem a mesma massa, só que é quente de mais
Ainda não é a gémea da Terra, mas anda lá muito perto e até está no nosso quarteirão cósmico. A pouco mais de quatro anos-luz de distância de nós, o que não é nada na imensidão do Universo, um planeta com uma massa parecida com a da Terra orbita uma estrela parecida com o nosso Sol - uma descoberta de uma equipa europeia, liderada pelo Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, anunciada na edição desta semana da revista Nature.
Viajemos até a essa estrela, que, se fosse possível ir à velocidade da luz, demoraríamos 4,3 anos a chegar até lá. Nessa visão aproximada, deparar-nos-íamos não com uma, mas três estrelas. Este sistema estelar tem duas estrelas semelhantes ao Sol - a Alfa do Centauro A e a B -, que se abraçam rodando uma em torno da outra. Aos nossos olhos, as duas Alfas do Centauro parecem uma só estrela, que no céu surge como das mais brilhantes e visíveis no hemisfério Sul. E, numa órbita mais afastada, encontra-se a Próxima do Centauro, mais pequena e pouco brilhante, queroda à volta das outras duas estrelas. Em rigor, neste momento da sua órbita, a Próxima do Centauro é a estrela mais perto de nós, ainda que globalmente todo este sistema estelar é o que se encontra a menor distância da Terra e do Sol.
Ora é ali, na constelação do Centauro, que habita o planeta que a equipa liderada pelo franco-suíço Xavier Dumusque, do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) e do Observatório de Genebra, na Suíça, conseguiu localizar, depois de mais de quatro anos de observações num dos grandes telescópios do Chile. Mais exactamente, o planeta dá voltas e mais voltas à Alfa do Centauro B, ou não fosse a sua viagem em torno desta estrela completada muito rapidamente, uma vez que está bastante perto dela. Encontra-se 25 vezes mais próximo da estrela do que a Terra do Sol e, por isso, faz uma órbita a cada 3,23 dias - ou seja, em 78 horas e seis minutos. Um ano neste planeta dura assim pouco mais de três dias na Terra.
Mas se ele até pode considerar-se irmão da Terra, ainda não é seu gémeo, pelo simples facto de tamanha proximidade da sua estrela o tornar quente de mais para poder albergar vida. Não está na zona habitável, a distância certa da estrela, para ter água líquida, considerada essencial à vida tal como a conhecemos.
Será rochoso? "É, provavelmente. Gasoso, com esta massa, não pode ser", responde o astrofísico Nuno Santos, do CAUP, e um dos autores do artigo científico. Se não é gasoso, como Júpiter ou Saturno, e se não há a certeza de que seja rochoso, que outras hipóteses restam? "Há uma teoria que diz que pode haver planetas-oceano, que se formaram longe da sua estrela e depois migraram para perto e têm maioritariamente gelos", explica o caçador português de planetas noutros sistemas solares, ou planetas extra-solares. "À medida que se aproximaram da estrela, os gelos derreteram e formaram um grande oceano", acrescenta Nuno Santos.
Por agora, não há nenhuma observação que permita comprovar tal hipótese dos planetas-oceano, ainda que, à sua maneira, a Terra seja um planeta-oceano, com 70% da superfície coberta por água.
Na verdade, a descoberta dos primeiros planetas em redor de outras estrelas tem uma data histórica: 1995, o ano em que Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra, e que também assinam o artigo agora publicado na Nature, detectaram o primeiro planeta extra-solar em redor da estrela Pégaso 51, a 50 anos-luz de distância de nós. É um gigante composto por gases, com metade do tamanho de Júpiter, e também está demasiado perto da estrela.
Mas, desde esse marco histórico, o imaginário de uma outra Terra vagueando algures pelo Universo, transbordando de vida, quem sabe se até inteligente, ganhou fortes alicerces. Desde então, já se descobriram mais de 750 planetas, muitos são gigantes gasosos e encontram-se quase em cima das estrelas, o que não oferece as condições ideais para o aparecimento da vida.
Neste enorme cortejo de planetas descobertos, há um ou outro que se desconfia terem até menos massa do que a Terra - "mas não se tem a certeza disso e estão à volta de anãs-vermelhas, estrelas que não são parecidas com o Sol", refere Nuno Santos, que procura planetas com Michel Mayor e Didier Queloz desde 1998. "Numa estrela parecida com o Sol, este é o planeta com a massa mais pequena descoberto até agora", sublinha o astrofísico sobre o último anúncio.
Chegar até ele não foi nada fácil e não é pelo facto de estar mesmo ao virar da esquina, como diz a equipa, que a tarefa ficou facilitada. A questão remete para os métodos indirectos usados na procura destes planetas.
No caso do planeta à volta da Alfa do Centauro B, a sua presença foi denunciada pelas pequenas perturbações que ele provoca na estrela, captadas noite após noite com um instrumento de alta precisão (o espectógrafo Harps) instalado num dos telescópios do Observatório Europeu do Sul, no Chile. Neste método das velocidades radiais, como é designado, a gravidade exercida pelo planeta provoca pequenas variações na velocidade da estrela - e ela oscila ligeira e periodicamente, o que significa que tem alguma coisa à volta.
Ora o grau de perturbação que os planetas causam nas suas estrelas depende da massa deles, pelo que os planetas pequenos originam variações mais fracas, o que torna difícil a descoberta.
O ambiente em que se encontra o novo planeta complicou as coisas. Por exemplo, a rotação e a actividade da estrela contaminam o sinal do planeta, a que se junta ainda interferência na órbita causada pelo facto de a sua estrela ter uma companheira próxima. Por fim, há ainda a contaminação da luz vinda dessa estrela mesmo ao lado. Foi pois necessário muito esforço para depurar todas estas contaminações. "Deu imenso trabalho. É como tentar ouvir uma pessoa a vários metros de distância durante a comemoração de um golo num jogo de futebol. É um ruído enorme", diz Nuno Santos. "Estamos a usar um instrumento para além dos limites até agora conhecidos."
Para quando a descoberta de uma verdadeira Terra extra-solar? O ano de 2016 é, para já, o próximo marco apontado na aventura dos planetas extra-solares. Nessa altura, será instalado num dos telescópios no Chile um novo espectógrafo de alta precisão, o Espresso, que conta com a participação de cientistas portugueses. Então, a variação mínima da velocidade detectável numa estrela devido a um planeta passará dos actuais quatro quilómetros por hora do Harps (a velocidade da marcha humana) para os 0,3 quilómetros por hora do Espresso (a de uma tartaruga das Galápagos).
"O Espresso vai dar a precisão necessária para detectar verdadeiras Terras em torno de estrelas parecidas com o Sol", diz Nuno Santos. "Um planeta que tenha até duas vezes a massa da Terra terá condições físicas para que a vida possa desenvolver-se. Detectar um planeta desses à distância certa da estrela será fantástico."