Um rapaz e o seu cão morto

Burton refaz Burton: Frankenweenie revê e aumenta (acrescentando-lhe até uma terceira dimensão) a homónima curta-metragem de 1984, que foi o último filme curto do período “formativo” do cineasta, antes da sua passagem à longa-metragem, logo no ano seguinte, com Pee Wee''s Big Adventure. O Frankenweenie de 1984 (filmado em “imagem real”) foi muito pouco visto. A Disney, o estúdio que empregava Burton, detestou o filme, por não saber como vender uma história tão lúgubre (uma espécie de remake, com cães, do Frankenstein de James Whale) a um público infanto-juvenil. Só nos anos 90, já depois de Burton ser uma “estrela”, é que o filme foi redescoberto e passou a circular mais, antes de ser editado como “extra” de DVD. Podemos portanto admitir que o remake tenha nascido de uma real vontade de Burton de fazer justiça a um pet project (jogo de palavras pretendido...) que, historicamente, ficou sempre injustiçado.


Este Frankenweenie 2012 & 3D vê-se bastante bem, é divertido quanto baste, e de modo algum trai a versão de 1984. Mas onde, em 1984, havia frescura e originalidade, em 2012 parece haver apenas reiteração e confirmação - diríamos aos admiradores de Burton que não conhecem o Frankenweenie original que esta nova versão não o “substitui”, antes torna mais urgente descobri-lo. O filme de 1984 era um anúncio: chamo-me Tim Burton, cheguei, e este é o meu universo. Um universo onde se fundia a memória da Hollywood “gótica” dos anos 30, do fabuloso disneyano, das várias tradições da série B. O Frankenweenie de 2012 perde este sentido, porque entretanto passaram 28 anos e inúmeros filmes, parecendo mais a afirmação de uma trademark. É como se Burton “burtonizasse” - quer dizer, sublinhasse - o que já era burtoniano. Algo visível, por exemplo, no estilo da animação, nos desenhos dos bonecos que aqui dão corpo às personagens, variações sobre o estilo das marionetas de O Estranho Mundo de Jack ou de A Noiva Cadáver. O reconhecimento assim propiciado, como se se tratasse de filmar um mundo que já existe em vez de um mundo criado pelo filme, corta algum entusiasmo, parecendo confirmar a ideia, defendida por muitos, de que Burton anda em impasse criativo vai para um número considerável de filmes.

Não nos queixaremos, demasiado pelo menos. Se o filme triplica a duração original (da meia hora de 1984 para a hora e meia de 2012) sem triplicar o gozo proporcionado, oferece imensa coisa para ver. A revolta infantil contra a morte (o miúdo, pequeno Frankenstein, que ressuscita o seu cão morto) continua tão poderosa e tão romanticamente perturbante como dantes - mesmo se o “imaginário da morte” é muito menos exuberante que o da Noiva Cadáver. Há piscadelas de olho em barda, do professor que tem o perfil de Vincent Price à cadela com pelo de “noiva de Frankenstein” (que de qualquer modo já existia em 1984). As referências expandem-se, e muitos mais monstros são convocados, de Godzilla aos Gremlins, diluindo a colagem ao mapa “frankensteiniano” (tão seguido no filme original) mas de alguma maneira justificando, alargando-lhe as fronteiras, esta releitura. Em todo o caso, é o prefixo-chave: “re-”. Frankenweenie está muito bem, mas vamos ansiando por um filme de Burton que dispense tanta “re-qualquer coisa”.

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