Frieze: a feira que quer dominar o mundo
A Frieze terminou ontem em Londres, com a maior participação internacional de sempre, numa demonstração de vitalidade que parece passar ao lado da crise económica
Durante quatro dias Londres foi o centro internacional do mercado de arte contemporânea, visitada por milhares de pessoas, entre elas coleccionadores vindos de todo o mundo. A 10.ª edição começou 5.ª feira e terminou ontem. Foi a edição mais internacional de sempre: participaram galerias de 34 países, da India ao Líbano, e pela primeira vez uma galeria africana, a Stevenson Gallery da Cidade do Cabo e Joanesburgo, que aliou à sua estreia o feito de ter vendido a escultura Balindile I, de Nicholas Hlobo, à Tate. O certame apresentou diversas novidades, como a nova Frieze Masters, ao mesmo tempo que o crescimento sustentado e as inovações do formato sublinharam a sua posição como um dos eventos mais importantes das artes, a par da Art Basel e Art Basel Miami Beach ou o Armory Show de Nova Iorque.
A Frieze localiza-se no Regents Park, ocupando um pavilhão temporário idealizado pelos arquitectos Carmody Groarke, mas o elevado número de propostas fez com que o exterior também fosse ocupado por instalações artísticas apresentadas no Sculpture Park, onde se puderam ver trabalhos de Yayoi Kusama, Damián Ortega, Anri Sala ou Jean-Luc Moulène.
Uma vez passada a porta de entrada, deparávamo-nos com um longo corredor coberto por um papel de parede alcatifado, onde um padrão de sapatos de cores fortes era repetido infinitamente. Era um dos Frieze Projects, o programa de comissões artísticas da feira. O papel de parede alcatifado era uma proposta de Thomas Bayrle, que se divertiu em antever a fadiga no final da visita, criando um ambiente próximo das linguagens pop e op art, onde o sapato se torna símbolo do cansaço físico.
Para começar, a secção Frame, que apresenta galerias com menos de seis anos de existência e um único artista por expositor. É ali que, por norma, se encontram os trabalhos mais interessantes. Destaque para a proposta da Carlos/Ishikawa, uma galeria inaugurada há pouco mais de um ano, que escolheu a leitura de Ed Fornieles sobre a obsessão da sociedade contemporânea com a interacção nas redes sociais. O artista criou Caracterdate, uma plataforma que permite conhecer outras pessoas. A novidade em relação a modelos já existentes está no facto da plataforma só funcionar com visitantes da feira. O utilizador criava o seu perfil e o programa encontrava os perfis mais compatíveis, sendo possível marcar encontros no espaço de meia hora.
Crise passa ao lado da arte
Na Focus, apresentaram-se galerias que surgiram depois de 2001. A Office Baroque ou a Dépendance faziam parte da lista desta nova secção. A presença destas duas galerias de Bruxelas assinala a vitalidade crescente da Bélgica no circuito Europeu. Por sua vez, a MOT Internacional, de Londres, apostou numa apresentação do novo filme de Elizabeth Price, West Hinder, que este ano é uma das nomeações para o prémio Turner.
No stand da Hollybush Gardens foi possível ver e ouvir uma instalação de Karl Holmqvist. O espaço foi ocupado por conferências e debates, entre outros, com Tino Seghal, John Waters, Kasper König, Akraam Zatari ou Brian O"Doherty. Foi ainda no auditório que se viu o programa de filmes. Dos cinco artistas escolhidos, destaque para os trabalhos de John Smith e Patricia Esquivias: o primeiro apresentou Dad"s Stick, reflexão íntima sobre objectos pertencentes ao pai, manipulando a ambiguidade entre elementos abstractos e significados literais, para representar o relacionamento familiar. A segunda produziu um trabalho arqueológico onde analisa um edifício de Madrid, para pensar o relacionamento entre indivíduo e sociedade durante vários regimes políticos.
Na zona central da feira, onde estavam incluídas galerias como a Buchholz, White Cube, Gagosian, Sprüth Magers, Victoria Miro ou Hauser & Wirth, foi possível ver uma colecção de trabalhos mais conservadores. Foram expostos diversos artistas que participaram na documenta 13, como Haegue Yang, que mostrou o trabalho Flip Fleet Flow Units de 2011. Em geral notou-se um contraste com a linha mais espectacular da edição do ano passado, liderada pelo iate de Christian Jankowski, The Finest Art on Water de 2011, cujo preço atingiu os 74 milhões de euros (como iate) ou 86 milhões de euros (como obra de arte autenticada pelo artista). Na Frieze deste ano pareceu haver um interesse generalizado em produções artesanais e em objectos frágeis de pequena dimensão. São respostas diferentes ao contexto de crise que, no entanto, parece passar ao lado do mercado de arte. Exemplo? A escultura de Paul McCarthy White Snow Head, vendida por 1,2 milhões de euros nos primeiros dez minutos de abertura da feira.
A presença portuguesa
O programa de Grizedale Arts /Yangjiang Group, Colosseum of the Consumed, foi outro dos Frieze Projects e apresentou performances relacionadas com comida, pequenos objectos ou alimentos para venda. Este projecto enquadra-se, paradoxalmente, na perspectiva antiespectacular e inclui, entre outras actividades, um jantar exclusivamente para curadores ruivos, que pode ser visto pelo público não participante numa plataforma elevada. Este ano também se encontraram trabalhos excêntricos, que fazem parte do cardápio de todas as edições da feira, como o leão-marinho cor-de-rosa florescente apresentado pela Gagosian. Em oposição a este tipo de propostas, os vídeos de Ryan Trecartin ou Jason Musson, ou as fotografias de Yvonne Rainer por Babette Mangolte. É de destacar a forte presença de galerias brasileiras como A Gentil Carioca, Vermelho, Luisa Strina, Mendes Wood ou a Fortes Vilaça, que apresentou uma instalação de Valeska Soares constituída por bolas de espelhos, que se tornou numa das imagens de marca da feira.
À semelhança do ano passado, houve uma exposição individual do português José Pedro Croft, promovida pela galeria madrilena Helga de Alvear. Esta opção sucede à apresentação individual de Helena Almeida pela mesma galeria em 2011. A opção pela exposição individual pareceu ganhar seguidores, talvez por influência da secção Frame, embora o modelo colectivo, onde se apresentaram diferentes peças de diversos artistas, continue a ser a aposta mais comum. A única galeria portuguesa presente, a Filomena Soares, escolheu trabalhos de artistas portugueses e estrangeiros como Works for Nothing "Who has eyes look", de Vasco Araújo, ou A Perspectiva do Espectador - Portagem, de Pedro Barateiro.
Arte contemporânea e antiga
Mas uma das grandes novidades deste ano foi a Frieze Masters, um novo certame que relaciona arte contemporânea com arte antiga, pretendendo atrair outro tipo de público, de coleccionadores e compradores. Ali havia uma oferta diversificada, desde esculturas da antiguidade da Mesopotâmia, arte da Oceânia, pinturas de Pierre Bonnard ou Richard Smith, fotografias de Birgit Jürgenssen ou filmes de Paulo Bruscky, passando por esculturas de Giaccometti ou Louise Bourgeois. As primeiras reacções foram positivas, em termos de vendas e visitantes.
A ambição do projecto Frieze tem correspondência nos constantes desenvolvimentos da feira. A inauguração de uma nova secção, a Focus, é sinal disso. À saída o visitante despede-se com Forcing a Miracle, de Joanna Rajkowska, que pertence ao conjunto de obras do Sculpture Park. Com alusões às experiências land art dos anos 60 e 70, este trabalho coloca fumo de incenso a sair do relvado em frente ao pavilhão. Durante a noite, o fumo, aliado à luz dos candeeiros e ao título do trabalho, cria um ambiente espectral que estimula leituras ambíguas.
Devemos interpretá-lo como uma afirmação autocelebratória da feira, que conseguiu posicionar-se como um dos maiores eventos comerciais do mundo da arte em apenas 10 anos? Ou antes uma crítica por parte da artista à ambiciosa lógica que rege o evento? A generalidade dos comentários que se podiam ouvir à saída focavam-se no cheiro incomodativo do incenso, relegando para segundo plano outras leituras especulativas.
A Frieze regressa em 2013, de 17 a 20 de Outubro. Talvez aí as dúvidas se dissipem ou se formem novas questões. O interesse da feira reside na expectativa que cria a cada edição. Essa é a sua maior qualidade e fraqueza, já que será impossível manter um ritmo de mudança constante que seja igualmente interessante. Mas, por enquanto, tudo bem.