Pondé no seu melhor (ou no seu pior)

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O filósofo fotografado em Lisboa durante o Fesival Leya. Guia Politicamente Incorreto da Filosofia é o seu primeiro livro publicado em Portugal Nuno Ferreira Santos

O filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé esteve em Lisboa a lançar o seu Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, contra o politicamente correcto e a superioridade moral da esquerda, best-seller no Brasil. Retrato de um homem polémico

Quem nunca leu uma crónica de Luiz Felipe Pondé na Folha de S. Paulo nem sabe das constantes polémicas e chamadas de atenção da provedora dos leitores daquele jornal brasileiro abre a primeira página do livro Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (ed. Texto) e apanha um susto: "Estou voando, na classe executiva, não suportaria estar numa classe económica, um galinheiro de gente. Costumo dizer que os aeroportos e os aviões, além de todos os lugares do mundo, viraram um grande churrasco na laje. O futuro do mundo é ser brega."

O filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com doutoramento em Filosofia Moderna em Paris e pós-doutoramento em Telavive, faz parte dos "novos polemistas de direita" brasileiros que - como escreveu Paulo Nogueira na revista Época - "dão um boi para entrar numa briga e uma boiada para continuar nela."

É co-autor do livro Por Que Virei à Direita - Três Intelectuais Explicam sua Opção pelo Conservadorismo com outro filósofo brasileiro, Denis Rosenfield, e com o português João Pereira Coutinho. O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, o seu primeiro livro publicado em Portugal, foi uma encomenda da Leya Brasil, que tem uma colecção de guias politicamente incorrectos. A editora já tinha publicado Contra Um Mundo Melhor (o seu livro anterior, também um best-seller no Brasil) e pensou no filósofo para abordar o tema do "politicamente incorrecto versus correcto", que nas crónicas semanais que escreve na Folha de S. Paulo é recorrente.

Para Pondé, o politicamente correcto é uma praga (chama-lhe mesmo "a praga PC"). Considera-o "um "ramo" do pensamento de esquerda americano" que "acabou por criar uma agenda de mentiras intelectuais (filosóficas, históricas, psicológicas, antropológicas, etc.) ao serviço do "bem", gerando censura e perseguições nas universidades e na mídia para aqueles que ousam pôr em dúvida suas mentiras "do bem"." Foi para "criticar algumas dessas mentiras", colocando-as sob o olhar da filosofia e de alguns filósofos que escreveu este livro. "Dizer que pobres, gays, negros e índios são as grandes vítimas sociais do mundo contemporâneo é uma burrice. Não se trata também de afirmar que não houve sofrimento na história de tais grupos, mas eles não são os proprietários desse monopólio e da capacidade de salvar o mundo. Até porque o mundo não tem salvação", defende o autor, que acredita que a natureza humana está mais próxima de O Príncipe de Maquiavel do que de O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry.

Luiz Felipe Pondé conversou com a revista 2, entre garfadas que ia dando num prato de picanha, no Café Nicola, em Lisboa, depois de ter estado no palco do Festival Leya no Rossio num debate com Pedro Lomba e Francisco Assis, moderado pelo jornalista Ricardo Costa. Quando lhe pedimos explicações sobre o parágrafo de abertura do seu livro, em que compara a classe económica a um galinheiro de gente, o autor lembra que este livro é "um ensaio sobre ironia" e que nele aborda coisas que muita gente pensa mas não diz porque não é politicamente correcto dizê-las.

"Todo o mundo gostaria de viajar em executiva e não ficar preso em classe económica porque é horrível, as pessoas ficam apertadas e espremidas. No Brasil, por conta do milagre económico, todo o mundo viaja hoje em dia e no mundo intelectual existe um hábito de mentir no sentido que falo no livro. Muitas vezes dizemos o que achamos que tem de ser falado porque senão vão pensar mal de nós. Mas todo o mundo pensa que é horrível, que é difícil, que é chato. Levanto isso como argumento retórico na abertura do livro para dizer ao leitor: "Está vendo o que vai ver aqui? Vai ver coisas desse tipo"", diz o autor para quem uma cultura politicamente correcta nunca produziria Dostoievski, Machado da Assis ou Shakespeare. Só produziria auto-ajuda e histórias tipo Branca de Neve.

"A maior parte da minha classe intelectual no Brasil está preocupada em passar a imagem de que ama o povo, de que é legal ou que é compreensivo. No fundo, é um puto de um elitista, pois se vê alguém a vender muito livro, já acha que você não é sério", lamenta. "Comigo é difícil fazer isso porque tenho todos os títulos e todo um trajecto de um filósofo sério e então, quando eles vão para um debate comigo, encontram um igual a eles. Quando digo eles, digo os politicamente correctos, os elitistas."

O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia está na lista de livros mais vendidos da revista Veja desde Maio. Esteve no primeiro lugar sete semanas consecutivas e agora mantém-se entre os cinco primeiros no top de não-ficção. Para o seu livro se aguentar no top há tantos meses, foi certamente comprado por pessoas que viajam em classe económica. "Isso é a prova do meu argumento. As pessoas estão entendendo que estou falando a verdade, que não estou sendo escroto, sacaneando-os. Pegando esse exemplo - porque eu acho que o livro é muito maior do que isso - esses leitores pensam: "Esse cara aí está falando verdade. É uma merda ficar na classe económica e fica toda a gente brincando com a gente dizendo que gosta do povo, que ama o povo, gosta nada!" É a única explicação para ter o retorno que estou tendo no Brasil", afirma.

"Sabia que essa classe média, essa classe C, de que no Brasil todo o mundo fala, tem companhias aéreas pensadas para eles pelo modo como se vestem e como viajam?", pergunta. "Eles tinham vergonha, se sentiam diminuídos no avião", acrescenta explicando que, no Brasil, também faz assessoria em publicidade e analisa comportamentos de consumo tendo-se especializado em duas áreas: o consumo de luxo e a classe C.

"O grande valor que a classe C tem é o valor que dá à família. Dizem: "Você é rica, nem sabe o que é valor familiar. Mas eu estou enriquecendo, fazendo o meu dinheirinho e nunca vou esquecer da minha avó." O que diferencia a classe C das outras é esse super-orgulho de dignidade. Mas ela vai perder, como todo o mundo que pensa só em dinheiro um dia perde."

"Não sei se em Portugal vocês têm essa expressão: "fulano é um novo-rico", referindo-se a um estilo de comportamento. O Brasil hoje é um grande novo-rico. Aqueles carros coreanos enormes, brancos. Aquela gente mal-educada, casais com roupas caríssimas fingindo que são descolados e liberais mas na realidade não são, que dão um iPad para a mão de um menino de dois e três anos de idade para o menino ficar pá, pá, pá, apertando os botões durante um almoço no restaurante. E ficam batendo fotos o tempo todo", conta Pondé para mostrar a sua teoria de que vivemos numa "época muito brega", no sentido de nova-rica. "A gente assimila certos conteúdos pretensamente liberais ou progressistas, como no caso da cidade de São Paulo e o debate em redor das bicicletas, das bikes. A pessoa anda de bike e se acha pura, moralmente superior. O novo-rico não é só mais o cara que diz que vai para Miami, o novo-rico brasileiro agora quer fingir que tem inquietações existenciais: ele recicla lixo e é budista porque é uma religião chique, não tem pecado."

Luiz Felipe Pondé vê no Brasil actual uma enorme cultura do fenómeno do narcisismo, do individualismo gigantesco. "Tudo vira objecto de você mostrar como você é bom, é o máximo, é lindo, é actual. Os ciclistas de S. Paulo hoje são uma classe de santos. Tem isso hoje aqui também com os ciclistas?" Lembramos-lhe que em Portugal a gasolina está cara, o país está em crise.

"No Brasil sempre se andou muito de bicicleta: os pobres, porteiros de prédio, garçons. Lembro na minha infância de pessoas pobres andando de bicicleta. Tanto que eu faço diferença entre bicicleta e bike. É esse fenómeno ao qual me refiro de classes de bairros de classe rica em que as pessoas andam de bike, com uma roupa de bike e fecharam-se faixas na rua para se andar de bicicleta, aparece um ciclista nessa faixa e você já entra em pânico porque a qualquer momento ele pode considerar que você está faltando ao respeito com ele. Não tem nada a ver com fenómeno de falta de dinheiro, isso é fenómeno de classe média rica brasileira que quer ser que nem dinamarquês, sabe?"

Conhecido por ser um polémico, Luiz Felipe Pondé não o foi na adolescência. Foi tirar um curso de Medicina que era o curso tradicionalmente escolhido pelos membros da família já que o seu avô e o seu pai eram médicos, e a sua irmã e um dos seus filhos são médicos. "É que para mim, naquela hora, eu não estava seguindo os passos da minha família", explica. "A minha ideia é que eu fazia medicina mas na verdade iria ser cientista e pesquisar genética."

Mas um dia, na faculdade, perguntou a um professor como é que uma pessoa encara que vai morrer. "Você está na aula errada, devia estar na aula de filosofia", respondeu-lhe o professor. Ainda tentou compor a coisa e ser psicanalista, mas a psicanálise levou-o para a filosofia.

"Eu fui no movimento estudantil no colégio e na universidade mas nunca fui polémico pelo gosto de ser polémico. Sempre achei que grande parte dos jovens polémicos na minha época o foram por uma briga errada. Ficavam bravos porque tinham de arrumar o quarto e queriam mudar o mundo porque não queriam assumir responsabilidade. Eu entrei na polémica meio sem querer. Não era minha intenção ser polémico", diz.

"Entrei na polémica porque fui ser professor na universidade e comecei a perceber que havia um controle, um certo totalitarismo invisível. Fui começando a me irritar com isso. Quando era moleque, queria viajar, namorar, pegar menina. Não me interessava por política quando tinha essa idade."

Apesar disso, na juventude viveu nos Estados Unidos durante um ano e foi para Israel viver num kibutz. "Fui porque queria conhecer o socialismo. Estava no kibutz muito mais pela vida quotidiana do que pela teoria política. No dia-a-dia, eu nem me lembrava que era uma fazenda socialista, estava envolvido com o trabalho, com as pessoas que conhecia, gente de toda a parte do mundo."

"Nunca levei muito a sério nenhuma teoria política. Sou muito mais uma pessoa de questões morais do quotidiano, comportamento, hábitos, costumes do que teorias políticas abstractas. Tenho 53 anos, na minha juventude era mais ou menos óbvio que todo o mundo devia ser comunista", recorda.

Ao olhar para trás vê que o kibutz "não deu certo" porque se transformou "numa máquina autoritária onde alguns mandavam nos outros porque tinham mais espaço. Do ponto de vista teórico-filosófico, o kibutz faliu como todo o regime socialista faliu. Era burocrático, autoritário, não levava em conta as diferentes capacidades e quem tinha poder acabava empenando as coisas para a vantagem dele."

Hoje, Pondé olha para a tradição marxista como olha para o fanatismo religioso. Diz que ser de esquerda "faz você se achar legal" e que pelo menos no Brasil há preconceito em relação a quem é de direita, quem acredita na sociedade liberal individual. "Os principais partidos políticos do Brasil são de esquerda ou de centro-esquerda. Todos os professores universitários são de esquerda, só lêem livros de esquerda. O problema da mentalidade de esquerda hoje no mundo intelectual é que ela se ofende quando você fala mal dela. Porque no fundo a pessoa de esquerda se acha superior moralmente."

Segundo Pondé, uma das áreas preferidas da "praga do politicamente correcto" é a chamada "ética do outro", a obrigação de se achar que o outro é "sempre legal" e lindo. "Muçulmanos são lindos, índios são lindos, a África é linda, canibais são lindos, imigrantes ilegais são lindos, enfim, todos "os outros" são lindos. "Outro" aqui significa quase sempre outras culturas ou algo oposto a Igreja, Deus, heterossexual, capitalismo ou arrumar o quarto e lavar o banheiro todo o dia. Evidentemente que conviver com o diferente é essencial numa sociedade como a nossa, assolada pelos movimentos geográficos humanos, mas daí a dizer que todo outro é lindo é falso e, como sempre acontece com o politicamente correcto, desvaloriza o próprio drama da convivência com o outro", defende no seu livro. E enquanto come a picanha diz que há "outros assim" e "outros assado": "A gente nem consegue viver com o cunhado em paz, agora acha que todo o mundo consegue viver com todas as culturas em paz?"

Não faz assim tanto tempo, na crónica semanal que mantém na Folha de São Paulo, afirmou: "Dias atrás escrevi que não me preocupo com a África nem com as baleias nem com você. Pânico na bancada da classe média..." E causou ainda mais polémica ao escrever a seguinte frase: "Assim como a prostituta é a primeira vocação da mulher, afirmo: sou lido, logo existo. Saber que eu tenho um preço é uma das formas mais belas de libertação que conheço." Mais tarde teve de vir explicar que quando usou a imagem da prostituta como a primeira ou mais sublime vocação da mulher, estava a citar o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, sobre quem está a escrever um livro, e que também dizia que "a maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade".

Diz que não é reaccionário nem machista como lhe chamam. "No começo achavam que eu era um católico reaccionário. Eu dava muita risada até que um dia numa entrevista me perguntaram o que achava do casamento gay. Respondi que gay tem tanto direito de ser feliz ou infeliz, como todo o mundo. Por que é que gay não pode casar? Mas vai dizer para mim que a situação do pós-feminismo, a dificuldade de relação entre homens e mulheres, a insegurança de homens e mulheres não existe? Tanto existe que eu sou um dos "grandes" consultores de revista feminina no Brasil. Porquê? Porque o que eu falo as mulheres sabem. Quando elas não estão preocupadas com ideologia e estão dispostas a conversar", diz o homem que escreve que "daqui a uns séculos vão ver a nossa época como a época da histeria feminina à solta".

Outras das suas crónicas que ficaram famosas são as que dedicou a uma misteriosa Andréia, uma mulher que vivia perturbada entre o chefe no emprego e o namorado. Pondé deixou de as escrever e há uma explicação para isso. "Uma vez, no lançamento de um livro meu, uma mulher aproximou-se para eu assinar o livro e falou: "O meu nome é Bárbara mas pode me chamar de Andréia." Um monte de Andréias começou a me mandar emails, outras viravam para mim e diziam: "Eu sei de quem você está falando, eu conheço essa menina." Eu parei de escrever essas crónicas porque a minha mulher não acredita que aquela Andréia não existe." Pondé criou a Andréia porque queria que existisse pelo menos uma mulher que ele soubesse o que ela pensava.

"Inventei essa mulher nas crónicas porque pelo menos essa eu sei para onde ela vai, eu sei o que ela pensa, eu sei quem ela é. Mas me ferrei porque comecei a receber emails. "Cadê Andréia?" "Ela transou ou não transou com o chefe?" "Por que é que você fez isso com ela? É um absurdo, até hoje eu recebo emails. "Cadê Andréia?"," conta a rir-se.

"Eu tenho um interesse natural pelas mulheres. Gosto de conversar, de olhar, de prestar atenção, de pensar com as mulheres. Tinha uma coluna em que eu dizia que a maior forma de amor que pode existir é uma mulher sentir-se objecto sexual do homem amado. Essa coluna deu um pau com as feministas porque elas liam que eu dizia que a mulher tem de ser objecto sexual do homem. E a outra que eu falei da vocação da prostituta, do Nelson Rodrigues, você viu essa? A coluna era sobre Camus. Qual é a mulher que fez sexo gostoso e nunca brincou com ser prostituta? Isso é obviamente verdade. É por isso que eu rio quando me tentam enquadrar com reaccionário antiliberdade feminina, isso é uma piada."

"Tenho uma avó, por parte da mãe, que saiu de casa para transar com um namorado e casar e ficou grávida antes. E a minha outra avó, por parte do pai, foi a primeira sufragista do Brasil, batalhou pelo voto feminino em 1928. Talvez por isso, por essas figuras, eu fico com essa imagem de que elas eram meio fogosas. O que eu estou discutindo com as feministas hoje é você não poder dizer que muitas mulheres aos 50 anos estão desesperadas porque estão sozinhas. E por eu dizer isso, as feministas querem calar minha boca no jornal, mandam carta, querem que eu perca o emprego."

No Guia Politicamente Incorreto da Filosofia também refere a imposição de termos uma vida sexual feliz. "Tem alguma dúvida disso? Há 100 anos as pessoas transavam melhor, acredito nisso apesar de não ser científico. Primeiro, as pessoas transavam mais porque tinham menos do que fazer. Hoje tem televisão, Internet, iphone, iPad i-lixo, i-aquilo i-aqueloutro. As pessoas ficam fazendo um monte de coisas e não transam. O sexo acontece justamente porque você não está fazendo nada, deitado um ao lado do outro, esfrega ali, esfrega aqui, rola a vontade de transar. Quando você tem muita coisa na cabeça não rola a vontade de transar. Esse é o primeiro motivo. Depois é tanta discussão da relação, eu vou até aqui, você vai até ali, olha o respeito pelo outro, vamos discutir a nossa relação, vamos combinar se isso é invasão, é tamanha a masturbação sobre os relacionamentos é tanto o discurso que tem que ser e tem que não ser ...", diz o homem que há quase duas décadas vai ao analista.

O almoço está a terminar, mas ainda há tempo para lhe perguntar o que diria a quem depois de ler este Guia Politicamente Incorreto da Filosofia o considerasse "um manual de auto-ajuda para reaccionários". Pondé rebate dizendo que no livro até existe um capítulo em que diz mal da auto-ajuda. "Mas acho que pode ser usado sim. O que é que eu posso fazer? A mesma coisa que faço com as feministas e os marxistas: tentar conversar com eles. Porque as pessoas estão sempre dispostas a destruir o que você faz e fazer parecer o que elas acham que é."

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