História de uma pequena igreja

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O livro (de José Pedro Castanheira) tem 1007 páginas em letra pequena, sem contar com a lista das fontes, nem com a bibliografia, nem com o (longuíssimo) índice onomástico. Pesa 1 kilo e 600: basta dizer que fiquei com o braço dorido dos três dias que o levei a ler. O assunto ostensivo é a biografia de Jorge Sampaio até ao momento, presumivelmente crítico, em que se resolve candidatar à Câmara de Lisboa (suponho que para o resto haverá um 2.º volume). Mas, no fundo, José Pedro Castanheira acaba por fazer a história da geração de 62, mais precisamente da dúzia e meia de pessoas que se distinguiram na primeira grande guerra estudantil contra a Ditadura. E só por isso o esforço se recomenda, embora essa história seja desoladora e triste, sobretudo para mim, que assisti a parte dela e conheci quase toda a gente que nela entrou.

O grupo, muito "revolucionário", que depressa se juntou à volta de Jorge Sampaio acreditou piamente em cada baboseira ideológica, que lhe vinha de França e também de Itália. Isto assentava, como se calculará, numa ignorância abissal - de história, de filosofia, de economia e do próprio Marx - que nunca se deram ao trabalho de atenuar. Iam saltando de um erro para o próximo, com a mesma convicção e o mesmo deleite. Hoje, Sampaio sacode essa persistente peregrinação pela asneira e pela pura idiotia (que durou quase vinte anos) como um efeito inócuo da imaturidade. Mas não fala da pressão do PC e da extrema-esquerda, que ele queria reunir num "autêntico" partido socialista. De resto, os sampaístas foram sucessivamente conhecidos pelos caminhos que abandonaram e pelas derrotas que sofreram: ex-CDE, ex-MES, ex-GIS, ex-Secretariado ou qualquer outra coisa que lhes permitisse continuar à tona.

Amigo de alguns deles, detestando do coração a maioria, nunca me senti parte da família. Como no PC, viviam juntos, quase na promiscuidade. Nas férias, no trabalho, na política, ao almoço e ao jantar (tornaram célebre, por exemplo, o restaurante do Hotel Flórida). E José Pedro Castanheira, com uma paciência sobre-humana, descreve os milhares de vezes que se reuniram, em casa deste ou daquele, para discutir a intriga do dia ou futilidades sem nome e sem propósito. Eram uma igreja. Ambiciosa, ainda por cima. Mas como Sampaio, num excepcional momento de franqueza explicou, 30 amigos certos valem bem três mil militantes na rua. E, nesse ponto, acertou: não mais do que 30 amigos conseguiram que ele finalmente chegasse a Belém, onde a vacuidade final do grupo se manifestou em todo o seu esplendor.

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