E se nos limitássemos a passos de bebé?
Quando foi anunciado o pacote de austeridade para 2012, assustei-me com a dimensão dos cortes. Juntando ao de 2011, eu perderia cerca de 25% do meu salário. Apesar de tudo, e acreditava nisto com convicção, pensava que se a terapia de choque permitisse ir além do acordado com a tróica, reduzindo o défice para menos de 4,5%, valeria a pena.
Sabemos os resultados: subiram-se diversos impostos e cortaram-se dois vencimentos aos funcionários públicos e reformados. Sequencialmente, o desemprego disparou para os 16% e reduziu-se o défice de 7,1% em 2011 para 6,3% em 2012.* Para reduzir o défice em 0,8 pontos percentuais era mesmo necessário tanto corte? Ou, pelo contrário, os efeitos recessivos foram tão fortes que a política seguida se derrotou a si mesma? Só não digo que não serviu para nada porque, de facto, o défice das contas com o exterior está quase anulado.
Para 2013, foram anunciadas medidas adicionais de um valor ainda desconhecido mas que ficará algures entre os 5 e os 6 mil milhões de euros. A história recente sugere que, na melhor das hipóteses, conseguiremos reduzir o défice de 6,3% para 5,5%, que o desemprego disparará para valores acima dos 17% e que o PIB cairá cerca de 2%.
Quem acredita que estes cortes draconianos são a política correcta, precisa de quanta evidência em contrário para concluir que estão erradas? No meu caso, os números para o défice de 2012 obrigam-me questionar as minhas certezas e a pensar em alternativas.
Políticas despesistas acentuariam o desequilíbrio externo. Uma política prudente seria manter a despesa pública e as taxas de impostos estáveis (fazendo os ajustamentos exigidos pelo Tribunal Constitucional). Com toda a probabilidade, o PIB pararia de cair em 2013 e as receitas fiscais cresceriam com o crescimento da economia. O crescimento económico seria maior se se obrigasse empresas com mercados protegidos a cobrar preços concorrenciais - de resto, é para isso que existem os reguladores sectoriais. A combinação do aumento de receitas fiscais, com algum crescimento económico, mesmo que sofrível, com alguns cortes que se pudessem fazer na despesa - redução de consumos intermédios, um corte feito com seriedade nos gastos com fundações e PPP e alguma racionalização de serviços públicos -, seria suficiente para fazer cair o défice em percentagem do PIB para um valor próximo do que vai ser obtido com os aumentos draconianos nos impostos. Se, a nível europeu, vier a ser criada uma taxa Tobin sobre transacções financeiras, estes efeitos serão maiores e compensarão algum excesso de optimismo da minha parte relativamente ao crescimento do PIB.
Apesar de corrigido o défice externo, convém não esquecer que tal aconteceu devido ao aumento do desemprego e queda de rendimentos de parte da população, que levou a uma quebra da procura interna e, portanto, das importações. Adicionalmente, o aumento das exportações ainda não está consolidado. Para garantir um equilíbrio externo e duradouro, é crucial que futuros aumentos da procura interna sejam resultado de aumentos das exportações.
Um empurrão adicional às exportações pode ser conseguido com a TSU como instrumento preferencial. O Professor Caldeira Cabral propôs uma queda significativa da TSU apenas para sectores sujeitos à concorrência internacional, o que teria impacto orçamental limitado. Mais tarde, quando houvesse condições orçamentais, poder-se-ia alargar a redução da TSU a toda a economia. Quer para garantir a aprovação da Comissão Europeia, quer porque é do nosso interesse a longo prazo, deve ficar absolutamente claro que esta diferenciação de impostos é temporária. A criação de linhas de empréstimos específicas para o apoio à actividade exportadora, podendo para isso usar-se parte dos fundos da tróica destinados à banca, seria também muito bem recebida pelas empresas. Se a Caixa Geral de Depósitos não é usada com este fim num momento de emergência nacional, então para que serve a Caixa nas mãos do Estado?
Para conter o aumento da despesa interna devem-se iniciar reformas estruturais na Segurança Social, que são inevitáveis, passando de um sistema de repartição para um sistema de capitalização. O aumento da taxa de poupança daí decorrente garantiria que a um crescimento do PIB corresponderia um aumento menos do que proporcional da procura interna.
Como seriam aceites internacionalmente estas políticas? É óbvio que todas estas medidas não podem ser seguidas à revelia da tróica. Adicionalmente, para ter credibilidade, seria necessário um pacto entre os três partidos do arco governativo que garantisse que a despesa pública não aumentaria durante um período alargado de tempo - 5 anos, digamos. Firmar-se-ia este compromisso na lei do enquadramento orçamental exigindo dois terços dos votos para ser alterada. Como forma de controlo, exigir-se-ia que cada Orçamento de Estado só entraria em vigor depois de ratificado pelo Tribunal de Contas, garantindo que a despesa orçamentada não excede a do ano anterior.
Se credível, o compromisso teria dois efeitos essenciais: (1) no curto prazo, travar-se-ia esta política que cria tanto desemprego e dar-se-ia a necessária estabilidade às empresas para investir; (2) no longo prazo, o Estado teria de redimensionar-se. Com a despesa pública estável em termos reais, o crescimento do PIB será suficiente para que, no fim deste período, a despesa pública represente menos de 40% do PIB, um valor bem abaixo da média europeia. A enorme vantagem de seguir uma política de pequenos passos é que se um deles estiver errado, não nos afastamos muito na direcção errada.
O consenso político é difícil de alcançar, mas ou se consegue agora ou nunca mais. Tem de se resgatar o "espírito" do memorando quando foi assinado - uma oportunidade para reforma - corrigindo medidas que falharam e garantindo que, havendo um compromisso a médio prazo sobre contenção da despesa, futuros governos ainda terão liberdade para fazer escolhas. Consensos e compromissos nalgumas áreas são a condição para que haja alternativas futuras noutras.
* Considero o valor de 7,9% para 2011, que corresponde ao défice sem a transferência dos fundos de pensões dos bancos corrigido dos efeitos da Madeira (0,4%) e do BPN (0,4%). Para 2012, sabe-se que no primeiro semestre o défice foi de 6,8%. O número de 6,3% é o que provavelmente se obteria sem medidas extraordinárias.