O Brasil já tem o primeiro negro líder do Supremo Tribunal
Filho de um pedreiro chega ao topo do sistema judicial. Escolhido por Lula, foi duro no caso Mensalão. Há quem já o veja Presidente
Conta que, já como juiz do Supremo, quando ia jantar a restaurantes do Rio de Janeiro, chegava a ser confundido com o porteiro que arruma os carros dos clientes ricos. Agora, Joaquim Barbosa vai ser presidente do Supremo Tribunal Federal, o primeiro negro a liderar a mais alta instância judicial do Brasil.
Eleito anteontem pelos seus pares para um mandato de dois anos, a escolha de Joaquim Barbosa, 58 anos, cumpre a tradição de ser indicado para o cargo o mais antigo dos juízes que ainda não tenham exercido a função. Em votação secreta foi eleito por nove votos contra um. Seguindo a praxe de os juízes não votarem em si próprios, terá sido dele o voto contrário, escreveu O Globo.
Anunciou que no seu mandato, a partir de dia 22, "não haverá turbulências nem grandes inovações". Mas o facto de ser o primeiro negro a presidir ao Supremo é, por si só, novidade, num país com população maioritariamente negra e mestiça. Cabe-lhe o lugar de topo de um aparelho de justiça que considera discriminatório. "O sistema penal brasileiro penaliza muito sobretudo os negros, os pobres, as minorias em geral", disse há tempos, segundo a AFP.
Discreto, aguerrido, de temperamento forte, Joaquim Barbosa desempenhou com firmeza a função de relator do processo Mensalão, o maior caso anticorrupção do país, considerando culpados a maior parte dos mais de três dezenas de acusados, políticos, empresários, banqueiros. Já esta semana, foram condenados três colaboradores do ex-Presidente Lula da Silva, por desvio de fundos públicos para compra de apoio político no Congresso, entre 2003 e 2005.
Herói? "Nem um pouco"
A sua actuação, que ainda criou dúvidas sobre a sua eleição para o cargo, tornou-o uma celebridade nas redes sociais. Herói? "Nem um pouco, sou um anti-herói, não dou bola pra essas coisas. Mas fico muito grato com a manifestação das pessoas", disse, citado pelo Jornal do Brasil.
Filho de um pedreiro e de uma dona de casa, mais velho de oito filhos partiu, ainda adolescente, de Paracatu, Minas Gerais, onde nasceu, para Brasília. Trabalhou nas limpezas de um tribunal e na gráfica de um jornal para pagar os estudos. Licenciou-se em Direito na universidade de Brasília e esteve para frequentar uma prestigiada escola de diplomatas. Mas reprovou no exame oral, "sem dúvida por causa da cor da pele", escreveu o Estado de São Paulo. Foi oficial de justiça até integrar o Ministério Público, durante 19 anos, e exerceu vários cargos na administração pública federal.
Doutorou-se em Direito Público pela universidade parisiense Sorbonne, ensinou na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e foi professor visitante na Columbia University School of Law, de Nova Iorque, e na University of California Los Angeles School of Law.
Quando, em 2003, foi nomeado por Lula para o Supremo disse que o estudo o ajudou a romper as barreiras da discriminação. Não sem dificuldades. "Era de uma família pobre, lutei e consegui, mas sei que outros, nas mesmas condições, com a mesma vontade, não conseguiram, pois o sistema educacional cria mecanismos poderosos de exclusões de negros", disse, numa declaração agora recuperada pel"O Globo.
A popularidade de Barbosa, que recentemente disse ter votado em Lula e, depois, em Dilma Roussef, a actual Presidente, levou à criação de um site em que o seu nome é proposto para a Presidência. Mas o trajecto e as palavras deste juiz tornam esse cenário longínquo. Fez carreira à margem da política partidária e não parece disposto a mudar. "Ir para a política? Não. Nunca fiz política, não será agora que vou fazê-lo", disse ao Jornal do Brasil. Outro obstáculo seriam os problemas de coluna que lhe tornariam penoso o cargo e que, em 2008, o fizeram declinar a possibilidade de presidir ao Tribunal Superior Eleitoral, para poder tratar-se.