Guarda tinha helipista sem trabalhadores, Aveiro nem tinha aeródromo próprio
Há identificação oficial de 96 funcionários que terão sido enviados por sete câmaras para aprender a trabalhar nos seus aeródromos. Mas segundo elas, na melhor hipótese, foram mandados apenas 39
AComissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) afirma, com base nas listagens da Tecnoforma assinadas por Passos Coelho em 2007, que os cursos de técnicos de aeródromos e heliportos desta empresa foram concluídos por 96 funcionários de sete câmaras da região Centro. Em respostas escritas enviadas ao PÚBLICO, cinco delas contrapõem que destacaram apenas 10 funcionários, em vez dos 57 indicados pela comissão, e que nenhum deles obteve qualquer certificação oficial da formação seguida. As outras duas, que segundo a CCDRC inscreveram 39 formandos, não responderam ao PÚBLICO.
No caso da Guarda, a comissão diz que os cursos foram seguidos por 14 trabalhadores da câmara local, enquanto o seu presidente, o socialista Joaquim Valente, assegura que foram cinco os inscritos pelos seus serviços. O autarca acrescenta que na listagem assinada por Passos Coelho, que lhe foi enviada pelo PÚBLICO, constam como trabalhadores do município bombeiros voluntários, mas sublinha que eles "não foram inscritos pela autarquia".
Joaquim Valente adianta que o município da Guarda dispõe de uma helipista, mas nota que esta não tem, nem tinha em 2004, qualquer trabalhador ao seu serviço. O autarca esclarece que a câmara "nunca recebeu qualquer explicação para a falta de certificação oficial da formação realizada".
Aveiro nem tinha pista
Quanto a Aveiro, a CCDRC informa que a formação foi seguida por 14 trabalhadores da autarquia, enquanto o actual presidente, Élio Maia (PSD/CDS/PP), se recusa a falar sobre o assunto. Alberto Souto de Miranda, o seu antecessor (PS), que estava em funções em 2004, respondeu, porém, que a câmara não designou qualquer funcionário para esse programa de formação.
O ex-autarca sublinha que o município não tinha qualquer aeródromo, tendo apenas uma "colaboração com a Força Aérea para que o aeródromo de S. Jacinto se mantivesse aberto à utilização civil". Souto de Miranda, que diz ter consultado sobre esta matéria o seu antigo vice-presidente e o vereador então responsável pela protecção civil, acrescentou que se algum funcionário participou nas acções da Tecnoforma isso foi feito "à revelia" do executivo municipal, havendo assim uma "utilização abusiva do nome da Câmara de Aveiro".
Em Viseu, os números fornecidos pelo chefe de gabinete de Fernando Ruas (PSD) também não coincidem com os da CCDRC, que registam a frequência do programa por 15 funcionários da câmara. "Foram disponibilizados para participar na acção referida três funcionários adstritos ao Aeródromo Municipal de Viseu", informa Jorge Lourenço. O mesmo responsável confirma que "nenhum dos funcionários teve a certificação da formação" e acrescenta que em 2004, como agora, o aeródromo tem ao seu serviço três funcionários municipais.
Na Câmara da Lousã, a surpresa é maior em relação aos números da CCDRC visto que o aeródromo local operava (e opera) apenas na época dos fogos florestais, sendo gerido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Além disso não tinha, nem tem, qualquer trabalhador camarário ao seu serviço. De acordo com o presidente da autarquia, Luís Antunes (PS), "nenhum" funcionário municipal participou na formação em causa. No entanto, acrescenta ser do seu conhecimento que nela participaram duas pessoas que não trabalhavam para a câmara e que, na época dos fogos, colaboravam com a ANPC. A CCDRC, contudo, diz que concluíram as acções seis funcionários municipais da Lousã.
Também em Idanha-a-Nova o desacordo é total. A câmara afirma que "participaram dois funcionários" seus e acrescenta: "Devido ao facto de o curso não ter sido terminado, nenhum obteve certificado". A CCDRC, por seu lado, diz que as acções foram concluídas por seis trabalhadores da autarquia. No que toca a funcionários colocados no aeródromo municipal, que já em 2004 estava desactivado, em Monfortinho, o gabinete de apoio ao presidente da câmara (PS) indica que não havia, nem há, nenhum.
Finalmente, nas câmaras de Coimbra e Oliveira de Frades, a CCDRC regista 30 formandos no caso da primeira e nove na segunda. Ambas responderam que não sabem precisar o número de funcionários que disponibilizaram para esses cursos, mas o PÚBLICO verificou situações dignas de nota nas listagens que lhes dizem respeito.
O gabinete do presidente da Câmara de Coimbra (PSD), apesar de não saber quantos formandos inscreveu nestes cursos, informou que neles participaram pelos menos os quatro que operavam o aeródromo municipal Bissaya Barreto (tantos quantos lá trabalham agora) e que, segundo julgam os dirigentes dos serviços, "nenhum viu essa formação certificada pelo INAC". A informação foi confirmada ao PÚBLICO por vários participantes nos cursos.
Formandos não elegíveis
Em Oliveira de Frades (maioria PSD), finalmente, o então presidente da câmara, um vereador, e pessoas que nunca tiveram qualquer vínculo profissional à câmara, não sendo por isso elegíveis, constam também da lista da Tecnoforma.
As câmaras de Proença-a-Nova (que tem uma pequena pista de aviação), a de Albergaria-a-Velha (que possui uma helipista) e a da Covilhã, que em 2004 tinha um aeródromo em actividade (semelhantes ao de Coimbra e Viseu), não indicaram qualquer funcionário para frequentar as acções da Tecnoforma. Os seus nomes são referidos na candidatura aprovada, mas nas listas de formandos a empresa não inscreveu nenhum dos seus funcionários.
Para lá destes 96 formandos, alegadamente oriundos das câmaras municipais da Guarda, Aveiro, Viseu, Lousã e Idanha-a-Nova, Coimbra e Oliveira de Frades, a CCDRC aponta mais nove formandos de alguns destes concelhos que eram bombeiros voluntários, militares da GNR, trabalhadores da ANPC e militares da Base Aérea de São Jacinto (junto a Aveiro). Nenhum deles era elegível por não terem vínculo a qualquer autarquia.
Por fim, refere mais 17 formandos que não conseguiu identificar, o que perfaz um total de 122 pessoas distintas que terão participado neste programa de formação, que custou aos cofres públicos um total de 312 mil euros. A esmagadora maioria das 122 pessoas inscritas nas listas terão assistido apenas a sessões de apresentação do projecto, não tendo seguido nenhum dos três cursos ministrados.
Vários formandos do restrito grupo de 36 que frequentaram efectivamente alguns deles disseram ao PÚBLICO que os cursos nunca foram concluídos, por razões que desconhecem. Todos salientam, todavia, a qualidade dos formadores, em geral reformados do INAC, da NAV, da ANA e da TAP, e a seriedade do seu trabalho. "O problema é que aquilo não serviu para nada, não só porque não foi certificado, como porque as duas únicas câmaras que têm aeródromos (Coimbra e Viseu, com sete funcionários) não precisam lá de mais ninguém", sintetizou um deles, que pediu para não ser identificado.
O presidente do Conselho de Administração da Tecnoforma, Sérgio Porfírio, refutou as afirmações de todas as câmaras que dizem não ter indigitado os funcionários que constam das suas listagens e garante que todos eles assinaram os documentos exigidos pelos regulamentos do Foral.