A Menina Constable
Há muitos anos, eu visitava com grande frequência o Museu Gulbenkian em Lisboa que, sendo mais pequeno que o de Arte Antiga, disputa com este o lugar de melhor museu português para vermos pintura anterior ao modernismo. Era de carácter obsessivo a razão principal que me levava ao museu: ia lá para olhar para o retrato da Menina Constable do pintor britânico George Romney, uma obra de 1787 de que podem ver aqui uma reprodução simpaticamente cedida pelo museu e muito melhor que as imagens que estão disponíveis na Internet. A jovem lembrava-me uma namorada por quem tinha tido uma paixão tempestuosa e parava frente ao retrato na recusa de fazer o luto dessa paixão.
Miss Constable, cujo apelido não tem nada que ver com o do famoso pintor John Constable, era muito nova quando foi retratada. Parafraseando o modo como Tomé Pinheiro da Veiga se referiu à sua própria namorada, Miss Constable estava "no Abril de sua idade, nem menina para não sentir os meus favores, nem mulher para se acobardar com suas esquivanças, mas na entrada da idade que convida a amar e promete ser amado".
Romney não colocou nos olhos azul-acinzentados de Miss Constable o mais pequeno sinal de malícia, nem no seu rosto ou pose qualquer indício equívoco. Tudo nela respira uma maturidade que pode parecer precoce para nós, habituados que estamos à infantilização das pessoas e da sociedade. O olhar de Miss Constable perturba-me precisamente por isso e também por uma certa dureza e obstinação que a boca e o queixo confirmam. Lindíssima e luminosa, Miss Constable não era certamente uma menina dócil ou apagada. A expressão da retratada irradia a luz da vontade, e esta enaltece a luminosidade geral do rosto, do acobreado dos cabelos, da brancura do vestido, e até do fundo atmosférico, no qual a tinta de óleo não desenha qualquer forma reconhecível.
No entanto, há qualquer coisa estranha neste retrato. Só dei por isso agora e deixo aos leitores, até daí a 15 dias, o prazer de imaginar o que é.