O caminho de um filme está na montagem

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COLECÇÃO CINEMATECA PORTUGUESA/MUSEU DO CINEMA

Roberto Perpignani, um dos mais importantes montadores de cinema europeu, estará na Cinemateca para apresentar 5 filmes da sua carreira: obras de Bertolucci, Bellocchio, Thomas Harlan e dos Taviani.

Nascido em 1941, Roberto Perpignani provavelmente não esperava que o cinema lhe batesse à porta tão cedo: "Não tinha ainda vinte e um anos quando comecei a trabalhar com Orson Welles e nunca tinha trabalhado antes em montagem", diz-nos. "Mas propuseram-me ser assistente no filme dele e, em dez dias, Welles pediu para que me ensinassem a usar uma mesa de montagem." Perpignani era um estudante de pintura - outra arte da perspectiva, à semelhança do cinema. O filme, esse, era O Processo (1962), adaptação do livro de Kafka. "Deixei a pintura para trás e, a partir daí, tornei-me num dos assistentes de Welles." Foi com esse "gigante" que Perpignani se apaixonou pela arte de juntar imagens e sons: a montagem em cinema, aquilo que cria a forma dos filmes que vemos. "Eu era filho de um fotógrafo, estava cercado por imagens, fotografias e objectos de arte em casa. Estudei pintura durante cinco anos, e chegar ao cinema era como fundir a imagem cinematográfica com a experiência fotográfica e pictórica." Mas mais do que um encontro entre artes, a montagem era a oportunidade para mexer com elas e potenciar uma riqueza presente em todos nós: "A montagem é uma parte totalmente específica do cinema. Mas tem também a ver com a dinâmica da criatividade, aquela que usamos através da nossa imaginação."

Ao contrário da posição tradicional de um montador na indústria (que se limita a inserir as imagens filmadas pelo realizador numa formatação já definida, sem atenção à visão deste último), Perpignani trouxe a sua aprendizagem extra-cinematográfica para procurar novas formas de expressão em colaboração com os autores dos filmes. "O encontro entre um realizador e um montador é essencial: o realizador já tem uma ideia do que está à procura, mas o montador, ao aplicar a sua própria sensibilidade, pode dar uma contribuição expressiva para a forma do filme." Um montador, portanto, "não é uma pessoa que trabalha de forma diferente nem em nome de outra. É alguém que dá forma ao pensamento de uma outra pessoa com quem convive no mesmo projecto."

Trabalho de coragem

Na Cinemateca Portuguesa, Perpignani irá apresentar escolhas suas desses momentos. A primeira consiste no seu primeiro trabalho com Bertolucci: Antes da Revolução (1964; dia 8, 18h), filme que rompeu pela paisagem do cinema italiano com uma linguagem inspirada num outro cinema - a nouvelle vague (os jump cuts de O Acossado de Godard, o desfasamento do tempo da narrativa em O Último Ano em Marienbad de Alain Resnais). "Encontrámos inspiração nela, assim como a coragem para trabalhar e procurar novas formas de expressão. Sentíamos essa coragem à nossa volta." Para Perpignani, pode-se "ir para além do que é concebível no cinema": ou seja, juntar sons e imagens que talvez não correspondam, "desfazer" o fio narrativo de uma história para criar uma forma exclusiva. "O conceito da realidade pode ser superado a qualquer momento no cinema, e a montagem sugere pontos de vista diferentes porque nós temos também essa capacidade criativa na nossa mente", explica.

O gesto de pegar na realidade, filmada pelo realizador, para ultrapassá-la na sala de montagem está também presente no cinema dos irmãos Taviani (vencedores do último Urso de Ouro de Berlim com Cesare Deve Morire). Perpignani montou todos os seus filmes desde 1969; na Cinemateca, veremos Padre Padrone (1977; dia 9, 18h) e A Noite de São Lourenço (1982; dia 10, 18h), filmes que partem da realidade histórica da Itália para se colarem, por momentos, a dimensões próximas do sonho. "Tenho uma identificação total com o trabalho deles", diz. "O cinema, para eles, parte da realidade para se tornar numa leitura sobre a condição humana, que é o que filmam sempre. Tomam uma posição sobre a vida diária não como uma representação objectiva da realidade, mas como um projecto cultural e idealista."

Perpignani colaborou com outros nomes centrais do cinema italiano, como Marco Bellocchio (Salto no Vazio, 1980; dia 11, 18h) ou Nanni Moretti (Sonhos de Ouro, 1981). Mas a sua marca também se sente no cinema português: ainda antes de trabalhar com João Mário Grilo (A Estrangeira, 1983), Marco Martins (Alice, 2005) ou Bruno de Almeida (Operação Outono, em pós-produção), o montador trabalhou no documentário Torre Bela de Thomas Harlan, um olhar marcante sobre o Portugal pós-revolucionário através da ocupação de uma propriedade ribatejana, em 1975, pela sua população local. "Estou convencido de que o filme acabou por condicionar os camponeses da ocupação, mas era importante documentar esse momento", diz. "Não podemos pensar que o cinema é neutro: quando entra na realidade, condiciona-a." Ao montar o material do filme, "eu tinha uma missão precisa, uma responsabilidade política". "Devia ser equilibrado, não podia entrar em formas que podiam estar fora do meu controlo nem acreditar demasiado na objectividade [dos eventos]. Precisava de construir algo que respeitasse a situação, por isso, tive de aprender a falar português para perceber o que as pessoas diziam." E quando visitou a propriedade um ano depois, "vi que falava como os camponeses, porque tinha aprendido português com eles." Ou como a montagem, no cinema, jogou também com as peças da sua vida.

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