Opinião: A caminho do ultraliberalismo
O Estado tinha e tem um peso exagerado na nossa economia e intervenção ambígua, mas no seu conjunto excessiva. A sua presença em certos sectores é totalmente injustificada e impeditiva do normal funcionamento do mercado. Mas, por outro lado, é notoriamente insuficiente na função reguladora, ignorando os efeitos das falhas de mercado dos monopólios naturais, necessária mesmo num Estado liberal e cuja ausência e debilidade é incompreensível num Estado social como é considerado o nosso.
A situação referida agravou as consequências da crise de 2008, que seriam sempre dolorosas, mas talvez mais amenas com outras políticas.
Durante cerca de uma dezena de anos gastamos 10% mais do que produzíamos, o que mesmo sem crise, acabaria por nos levantar sérias dificuldades. Os elefantes brancos que construímos e os efeitos de políticas erradas constituem um ónus que se vai sentir por longos anos (10, ou mais).
2.Com o novo Governo abriu-se para muitos uma esperança. Era conhecida a sua tendência liberal, mas como sucede a uma mola muito tempo comprimida ao soltar-se alargou muito. De modo que, mesmo alguns partidários do Estado social acolheram favoravelmente, ou pelo menos com benevolência, o novo Governo.
Aliás, mesmo os mais acérrimos defensores do Estado social reconhecem que são necessárias modificações profundas, para algo dele subsistir, como é indispensável.
Passados os anos de ouro, dadas as alterações na economia mundial, é impossível garantir muitas das medidas, que em 1942, Beveridge, o pai do Estado social moderno nos concedeu.
3.Em plena euforia do investimento público megalómano de reprodutividade nula, rebenta a crise de 2008. O Governo reage, começando a aplicar uma política de austeridade. Os sucessivos pacotes de medidas elaborados não produzem qualquer efeito. Por um lado os pacotes não são cumpridos, por outro lado prevêem que a redução do défice seria feito principalmente pelo lado da despesa, e em menor escala do lado das receitas mas, na prática, sucedeu o contrário. Carrega-se fortemente nos impostos e pouco se faz do lado da despesa, excepto a redução das remunerações dos funcionários públicos, embora saibamos que a diminuição da despesa é mais difícil e demorada.
A gravidade da situação acentua-se, os mercados exigem taxas de juro incomportáveis e ameaçam fechar-se por completo. Assim, em Maio de 2011 houve que recorrer à UE/FMI/BCE. No dia seguinte ao acordo, na televisão (em companhia com o dr. Silva Lopes) considerámos o quantitativo insuficiente e o prazo curto. Louvámos as reformas estruturais propostas fundamentais para o futuro do País e que envolviam decisões que, sem pressão externa, os nossos políticos nunca tomariam.
4.Segundo a sua orientação neo-liberal, com uma visão restrita do curto prazo têm-se procedido a sucessivas medidas de austeridade, mais do lado dos impostos e descurando o estudo e a implementação das medidas estruturais.
O nosso desequilíbrio externo impõe austeridade, mas tudo tem os seus limites e principalmente deve ser aplicada com equidade não incindindo particularmente sobre o trabalho, como tem sucedido.
A finalidade é não só combater o défice, mas igualmente aumentar a competitividade, mas os custos do trabalho representam em média 40% do custo total de produção e há sectores onde não ultrapassa os 11%.
Causou uma forte reacção a afirmação que temos de “empobrecer”. A frase terá chocado, mas traduz uma necessidade inevitável.
Com uma dívida pública à volta dos 120% do PIB e uma dívida global que aproxima do dobro do PIB, se não baixarmos o nível de vida, continuaremos a endividar-nos e nunca sairemos de uma situação extremamente grave perante o exterior. Todavia neste aspecto há que dar especial relevo à equidade na repartição dos sacrifícios exigidos. Podemos pedir o abaixamento do nível de vida a quem recebe o salário mínimo ou ainda menos?
Num Estado liberal por causa das falhas de mercado e dos monopólios naturais, verifica-se uma intervenção reguladora para evitar o agravamento da desigualdade de rendimentos. Sucede, que num Estado que se intitula social, paradoxalmente as políticas adoptadas têm conduzido a um agravamento das desigualdades.
5.Este é um dos erros mais graves da nossa política económica e causa da intensificação do descontentamento que se faz sentir.
Outro erro grave é a negligência na tomada das medidas estruturais, sem as quais, atingido o abaixamento do défice estaremos numa situação propiciadora ao reinício de novo crescimento deste. Além disso muitas das medidas estruturais poderiam começar a ter efeitos imediatamente ou a muito curto prazo logo que postas em vigor.
Falou-se muito em cortar as gorduras do Estado, mas em grande medida estas subsistem – algumas – pouco – foram ligeiramente aparadas. Serão necessários os 29 mil carros de que dispõe o Estado sem contar com os das empresas públicas? O que fez em matéria de institutos e empresas públicas e empresas municipais. Mesmo nas fundações ficou muito aquém do que devia ter sido feito. E a reforma da administração pública e a reorganização territorial. Parece que se vai fazer algo nas freguesias, mas deixou de se ouvir falar nos concelhos.
Atacou-se, e é de aplaudir, as rendas excessivas no sector energético, mas foram publicados números que as elevaram a 4.100 milhões de euros, cortaram-se 1.800 milhões, menos de metade. Veio a público que a troika pedira um corte de 2.500 milhões, se assim foi, não foi atendida a sua solicitação. (Não ignoramos a força do lobby do sector, mas perante a gravidade da situação do País, há que vergá-lo).
A revisão das parcerias arrasta-se e o pouco que se obteve corresponde ao abandono de certos projectos e à transferência de certos encargos para o Estado.
Além da lei do arrendamento urbano é em matéria laboral que mais se tem feito, mas por exemplo, na Justiça, ficou-se muito longe do que foi enunciado na tomada de posse da titular, em quem depositava confiança que tem sido malbaratada. São reformas lentas e complicadas pelo lobby do sector, mas onde está o mapa judiciário e a diminuição da morosidade da Justiça e da sua aplicação (as execuções).
6.Recentemente surge a proposta da TSU em termos nunca aplicados em nenhum país. É a cereja em cima do bolo – o ultraliberalismo em todo o seu esplendor.
A medida é tão absurda que os próprios empresários, os seus principais beneficiários, a repudiam sabedores de que o eventual benefício na competitividade para alguns e na tesouraria para outros, seria insignificante e que as consequências na procura interna e no desemprego seriam desastrosas, além de afectarem gravemente a harmonia e a coesão social.
Mas os empresários não conhecem os ensinamentos de Hayek, Von Mises, Milton Friedman ou Robert Lucas, sabem sim dedicar-se ardorosamente em gerir as suas empresas, procurando melhorar o seu funcionamento, e lutar contra a teia burocrática que por vezes tolhe os seus esforços para a introdução de iniciativas.
Há empresas mal geridas, sem dúvida, mas um labéu geral de ignorância, é inadmissível em termos económicos e políticos. Há declarações que não são apenas infelizes, mas completamente inaceitáveis. Há maneiras mais sensatas de ter notoriedade. Mas houve antecedentes, é justo referi-lo.
7.Uma nota final sobre uma problemática que ressurgiu recentemente; a da privatização da Caixa Geral de Depósitos. É de todo desaconselhável.
A política desviacionista da Caixa dos últimos anos, emprestando somas avultadas a particulares para comprarem bancos é devido à má orientação da sua governação ou das pressões políticas sobre ela exercidas indevidamente.
A privatização parcial, ficando o Estado maioritário, retira à mesma, a função que deve exercer no nosso sistema financeiro. (Sei o papel que desempenhou no pós-25 de Abril quando presidia à Caixa.) É preferível então, perfilhar devidamente o credo ultraliberal: privatização total, ao contrário do que sucede em quase todos os países europeus à excepção da Inglaterra.
E já agora porque não seguir o conselho que propôs Hayek, que defendeu a abolição do Banco Central. Afirmou-o claramente numa conferência que proferiu há alguns anos no então designado Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras.
Economista e professor catedrático, liderou as negociações da adesão de Portugal ao FMI e esteve envolvido nos primeiros pedidos de ajuda a este instância internacional a seguir ao 25 de Abril. Desempenhou funções de governador do Banco de Portugal, ministro das Finanças e presidente da CGD