Jovens dizem-se arrependidos da brincadeira "parva" que incapacitou polícia
Carlos Duarte sofreu lesões graves numa queda, por causa de telefonemas com falsos alertas de assalto e de bomba
Em 2007, Carlos Duarte era subcomissário e comandante da esquadra da PSP de São João da Madeira e apresentava com orgulho dois livros de banda desenhada para crianças dos 1.º e 2.º ciclos. Segurança das Crianças e Prevenir o Futuro abordavam vários temas como a toxicodependência, a defesa do ambiente, a prevenção de sinistros e incêndios, e até a sexualidade, para os mais crescidos. Carlos Duarte ouvia constantemente dúvidas, sugestões e comentários dos colegas do programa Escola Segura e foi assim que lhe surgiu a ideia de fazer aqueles livros. Dois agentes da PSP de Aveiro desenharam os "bonecos".
Um ano depois, a sua vida mudou. A 28 de Julho de 2008, duas chamadas anónimas de telemóvel, com alertas falsos feitos por quatro adolescentes que queriam ver a polícia em acção, tiraram-no de casa numa noite em que nem sequer estava de serviço. Uma das chamadas dava conta da existência de uma bomba na cobertura do complexo desportivo Paulo Pinto, em São João da Madeira. Carlos Duarte pediu a auto-escada aos bombeiros e subiu ao telhado para investigar. Uma placa de fibrocimento cedeu e o polícia caiu desamparado de uma altura de sete metros. Ficou em coma mais de um mês, sofreu traumatismos, foi operado várias vezes. Ficou com 80% de incapacidade parcial permanente. Tinha, então, 42 anos.
Dois dos jovens que fizeram os telefonemas estão acusados de simulação de crime. Um confirmou a história constante na acusação e disse-se arrependido. Outro ficou em silêncio. Ontem, no início do julgamento, Carlos Duarte, que se desloca apoiado em muletas, contou ao Tribunal de São João da Madeira o que se passou naquela noite. Disse e repetiu que cumpriu o seu dever ao sair de casa, ao coordenar a operação, na sequência de um telefonema que alertava que o complexo desportivo estava de novo a ser assaltado.
Foi informado por um colega da existência de uma segunda chamada anónima, desta vez a dar conta da existência de um engenho explosivo no local. "Em face disso, como comandante de esquadra, a primeira decisão foi ir ao local", declarou ontem. Questionado pela advogada de um dos jovens se poderia ter ficado em casa, Carlos Duarte, que agora está no comando de Investigação Criminal de Espinho, foi peremptório: "Um verdadeiro comandante de esquadra só tem uma noção completa do que se passa estando no local".
O tribunal quis ontem perceber o que passou pela cabeça dos rapazes para fazerem os telefonemas anónimos. "A nossa ideia? Não sei... Estávamos sentados, não sei", foi o que conseguiu dizer o jovem que fez a segunda chamada de telemóvel e se mostrou arrependido. Os amigos assistiam, de longe, à movimentação dos agentes da PSP, até que o aparato aumentou. "Vimos a ambulância e percebemos que se passava alguma coisa", acrescentou o arguido que tinha então 16 anos. Pouco depois, os rapazes foram-se embora, sem perceberem que tinha havido um acidente grave.
Dois dos jovens, na altura, tinham menos de 16 anos, e não serão julgados. Foram, no entanto, constituídos testemunhas. "Todos nós decidimos fazer uma brincadeira infeliz", disse ontem um deles, agora com 19 anos, revelando que o segundo telefonema já não foi consensual: "Achámos que era algo exagerado, mas ele insistiu em fazer a segunda chamada".
O autor do primeiro telefonema, sobre o alegado assalto, também admitiu ter procedido mal. "Tínhamos 15 anos... Era uma brincadeira de miúdos parva", confessou o jovem, agora com 19 anos.