Eric Hobsbawm, 95 anos, morreu ontem num hospital de Londres na sequência de uma pneumonia. Foi um dos historiadores mais influentes das últimas décadas. A sua última obra de fôlego, A Era dos Extremos (1914-1991), foi traduzida em mais de 40 línguas, entre elas o árabe e o mandarim. Marxista e militante do Partido Comunista Britânico desde 1936 até à sua dissolução, em 1991, conhece o auge da sua projecção mediática exactamente após a queda do comunismo. Ganhou a celebridade não por ser marxista - nem apesar disso – mas por ser um extraordinário historiador.
As suas obras foram insubstituíveis "manuais" para gerações de estudantes, entre eles os portugueses. "Politicamente, estávamos em pólos opostos", declarou ontem ao Guardian o historiador Niall Ferguson. Mas foi um historiador "verdadeiramente grande". "Continuo a crer que a sua grande tetralogia – A Era das Revoluções (1789-1848), A Era do Capital (1848-1875), A Era do Império (1875-1914) e A Era dos Extremos (1914-1991) – continua a ser a melhor introdução à história do mundo moderno em língua inglesa" – estas quatro obras estão editadas em português pela Editorial Presença.
Não se trata apenas de competência e de uma particular arte de escrever. "Numa época em que os historiadores académicos suspeitam crescentemente das "grandes narrativas", ele mostrou quão importante é compreender o conjunto das forças da mudança histórica. Ao fazê-lo, não só reconfigurou o modo de os historiadores olharem o passado, como criou uma verdadeira apetência do público pelas obras de síntese."
Foi um escritor compulsivo e de muitas facetas. Cedo descobriu o jazz e foi crítico na revista New Statesman durante anos, sob o pseudónimo de Francis Newton. Escreveu até ao fim da vida. Em 2011, publicou um derradeiro livro, How To Change the World (Como mudar o mundo), defendendo a pertinência do pensamento económico de Marx perante o colapso bancário de 2008-2010.
Cosmopolita e comunistaNum livro de memórias, Tempos Interessantes: Uma Vida no Século XX (Campo das Letras, 2005), explica Hobsbawm que o seu percurso tem algo a ver com os acidentes da vida. Nasceu a 9 de Junho de 1917 em Alexandria, filho de um inglês de origem judaica e uma austríaca da classe média de passagem pelo Egipto. Estava-se em plena Grande Guerra (1914-18) e no início da Revolução Russa. Fez a sua escolaridade em Viena. O pai morre subitamente em 1929. Em 1931, a família muda-se para Berlim, para casa de um tio, onde testemunhou a ascensão de Hitler. A família foi para Londres.
A época determinou o seu interesse pela política e pela história. Disse numa entrevista: "Era inevitável uma pessoa politizar-se naqueles tempos. Vivia na Alemanha e não podia ser social-democrata (eram muito moderados), nem nacionalista (era inglês e judeu), nem me interessava o sionismo." Diz ter lido Marx pela primeira vez em Berlim.
Em Inglaterra obtém uma bolsa para Cambridge onde, à época, o marxismo era de bom tom. Adere em 1936 ao Partido Comunista da Grã-Bretanha e em breve colabora na sua revista teórica, Marxism Today. Com outros historiadores, como Christopher Hill, A. L. Morton, E. P. Thompson ou Raphael Samuel vai formar os "grupo dos historiadores do PC" que terá um papel inovador. Participa na fundação da revista Past and Present, liderada pelo grupo mas aberta a outras correntes. Em 1956 condena ambiguamente a invasão soviética da Hungria e, ao contrário de outros intelectuais, não abandona o PC. A debilidade do PC britânico, disse um dia, deixava aos historiadores uma grande liberdade intelectual.
A sua primeira obra, Labour's Turning Point (O Ponto de Viragem do Trabalhismo) é editada em 1948. Em 1959 publica a primeira obra inovadora, Primitive Rebels (Rebeldes Primitivos), em que estuda as sociedades secretas de resistência e as formas arcaicas da agitação social, objecto retomado em Captain Swing (1969, em parceria com George Rudé), sobre as revoltas rurais inglesas de 1830. Ao longo dos anos 1960-70, surgem os três primeiros volumes da "tetralogia", a sua obra mais sólida e influente.
A investigação de Hobsbawm não se confina à história económico-social. A Era das Revoluções – para alguns a sua obra-prima – serve para o demonstrar. Ele sempre soube combinar "a História social estrutural com a tentativa de compreender o pensamento e os motivos individuais dos rebeldes" (David Priestland).
Deu uma particular atenção aos nacionalismos, na Era das Revoluções, em The Invention of Tradition (1982, coeditado com Terence Ranger) ou em Nations and Nationalism since 1780 (Nações e Nacionalismo desde 1780): os movimentos nacionalistas fabricam os seus próprios mitos e rituais.
A Revolução de OutubroHobsbawm demarcou-se do regime soviético. Nos anos 1970, aproxima-se dos eurocomunistas italianos: ele e Giorgio Napolitano (hoje Presidente da República) publicam em 1977 um livro sobre a via italiana para o socialismo. Mas, para o historiador, era difícil enfrentar o passado e optou pela fidelidade à Revolução de Outubro.
O mais lido dos seus livros, A Era dos Extremos, é o mais vulnerável. Foi acusado de minimizar os crimes do estalinismo. Reconheceu em Tempos Interessantes: "Dou-me hoje conta de que continuo a tratar a memória e a tradição da URSS com uma indulgência que não sinto pela China comunista, porque pertenço a uma geração para qual a Revolução de Outubro representava a esperança do mundo, coisa que a China nunca significou."
Entrevista à BBC sobre "Capitalismo Responsável" (19 de Janeiro de 2012)Obras de Eric Hobsbawm em Portugal
“Globalização, Democracia e Terrorismo”
Presença
"A Era das Revoluções (1789-1848)""A Era do Capital (1848-1875)"
"A Era do Império (1875-1914)"
"A Era dos Extremos (1914-1991)"
Presença
“Tempos Interessantes: Uma Vida no Século XX”Campo das Letras
“Escritos sobre a história”Relógio D'Água
"O Século XXI - Reflexões Sobre o Futuro”Entrevista a Eric Hobsbawm por Antonio Polito
Presença
"A Questão do Nacionalismo – Nações e nacionalismo desde 1780"Terramar